Por Janeslei Aparecida Albuquerque, secretária de Mobilização e Relação com os Movimentos Sociais da CUT.
Logo na primeira quinzena de janeiro de 2016, tivemos cidades inflamadas por protestos contra o aumento das tarifas do transporte (ônibus, trem e metrô).
As mobilizações nas grandes capitais brasileiras contra o aumento das tarifas do transporte vão muito além de uma discussão monetária, muito menos de qual é o movimento que protagoniza essa luta. Trata-se de uma reivindicação da população que vive nas grandes cidades e que tem a exata noção de que o transporte é um serviço essencial, para ir e vir ao trabalho, à escola, ao hospital, ao lazer etc. Permite não apenas que as pessoas sobrevivam nas cidades, mas que usufruam de todo o espaço urbano e seus serviços e que vivam em comunidade.
Além da distância, as pessoas enfrentam ônibus, trens e metrô lotados e desconfortáveis, tornando os deslocamentos diários uma maratona. As mulheres têm um deslocamento diferenciado e mais longo, quando responsáveis por zelar pelos membros familiares, seja para buscar os filhos na escola, ir ao médico, além de trabalhar e estudar. Esses trajetos tornam-se um suplício quando as mulheres são vítimas de assédio e violência.
As políticas de investimento que priorizam o transporte individual em detrimento do transporte coletivo tornaram as ruas de nossas cidades espaços privilegiados dos automóveis e de longos congestionamentos. Os esforços para minimizar o impacto do crescimento desordenado de nossas cidades são recentes e as políticas para ampliar o acesso ao transporte são insuficientes pelo déficit acumulado por décadas sem investimentos e melhorias no transporte coletivo urbano. As pessoas passam muito tempo, diariamente, no transporte e despendem muito dinheiro para financiar todo esse deslocamento, especialmente aquelas que moram longe dos centros das cidades, aonde se localizam a maioria dos serviços e empregos.
É importante ressaltar que em São Paulo o transporte gratuito, que já era concedido a idosos, deficientes e trabalhadores especiais no transporte municipal, intermunicipal (EMTU), metrô e trens da CPTM, foi estendida em 2015 aos estudantes da rede pública e de baixa renda. Ainda que insuficientes, são medidas concretas que impactam positivamente na ampliação do direito ao transporte. No entanto, não é uma realidade nacional, e sim, uma iniciativa local, pois o transporte público urbano não está apenas sob a gestão da prefeitura, mas também do governo estadual.
Nesse aspecto, o aumento da tarifa do transporte impacta diretamente sobre o custo e a qualidade de vida das pessoas. Em relação ao custo, de 2000 a 2012 o índice de aumento das tarifas dos ônibus teve um aumento de 67 pontos percentuais acima da inflação, enquanto a gasolina subiu a taxas menores. Em 2009, o gasto das famílias mais pobres com o transporte público representava ao redor de 13,5% de sua renda. E apesar da ampliação da cobertura do auxílio transporte, em 2011 apenas 26% da população mais pobre tinham acesso a esse benefício (IPEA, 2013). Ou seja, para a parcela mais pobre da população o valor da tarifa do transporte urbano tem um impacto direto em seu orçamento e na sua qualidade de vida, na medida em que restringe sua circulação e acesso a outros serviços e direitos.
Nosso sistema de financiamento de transporte público apresenta muitas distorções e deve ser melhorado. Em muitos países existe um sistema de financiamento do transporte público que cobre a maior parte de seu custo, subsidiado por toda a sociedade e não apenas pelos usuários e o pagamento de suas passagens. É preciso ainda ter maior controle e transparência sobre a qualidade e eficiência com que o transporte público é oferecido.
No que se refere à transparência, é importante ressaltar a ausência da participação da população nas decisões a respeito de como é gerenciado o transporte público. No caso do estado de São Paulo, cuja responsabilidade é a gestão dos trens metropolitanos e metrô, há casos de corrupção e superfaturamento nas obras de melhorias e ampliação dos serviços dos trens e metrô. A irresponsabilidade não é apenas com o dinheiro público, mas compromete o serviço oferecido. O serviço de metrô e trem em São Paulo é extremamente defasado. A Cidade do México deu início à construção de sua malha ferroviária urbana nos anos 1970, assim como em São Paulo. No entanto, a Cidade do México tem uma malha de 201 km, enquanto em São Paulo é de apenas 70 km!
Apesar do aumento das tarifas em São Paulo, não existe qualquer indício por parte do governo do estado em enfrentar sua defasagem de malha viária. Pelo contrário, o anúncio é de atraso nas obras. Isso diz muito sobre quem governa esse estado há décadas.
Da mesma forma, a atuação da polícia, ao escolher contra quem utiliza a violência dos cassetetes e bombas, demonstra quais reivindicações são toleradas e reforçam a incapacidade de um governo para o diálogo com o contraditório e para construir um modelo de governança baseado na democracia e participação popular. (Sobre a violência policial ver a nota da CUT: http://www.cut.org.br/noticias/nota-da-cut-sobre-a-violencia-da-pm-em-sao-paulo-2b54/ )
Diante dessa situação é que precisamos discutir sobre a qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras nos grandes centros urbanos, nos marcos de luta pela redução das desigualdades, de que a população deve ter o direito à cidade e a um transporte público de qualidade, sem cairmos num debate que leve em conta apenas a lógica do custo de vida e do capital.
A luta por transporte público e de qualidade é legítima e uma demanda de toda a classe trabalhadora. Trata-se de um direito que garante o acesso a outros serviços públicos como o trabalho, saúde e educação. Os altos valores cobrados no transporte prejudicam o povo pobre e trabalhador, contribuindo para o cenário de segregação e privilégios dos espaços das cidades no Brasil. Precisamos de cidades que permitam a maior ocupação dos espaços públicos, da vida em comunidade e livre circulação