A presidenta fez algumas menções a críticas realizadas durante a tramitação do projeto no Legislativo, marcada por disputas que chegaram a ameaçar a aprovação da matéria. Setores das Forças Armadas e da oposição afirmavam haver tentativa de revanchismo na criação da Comissão da Verdade, que terá a incumbência de apurar violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado, e defendiam que o melhor era esquecer a ditadura para evitar a reabertura de antigas feridas. Para Dilma, o silêncio e o esquecimento são os verdadeiros inimigos da democracia, e um processo de construção da verdade e da memória não pode ser entendido como vingança. “Não podemos deixar que a verdade se corrompa com o silêncio”, advertiu.
Dilma destacou que este é o momento de mostrar às novas gerações o caminho pelo qual hoje o Brasil vive em liberdade para que elas saibam que muitas pessoas resistiram à repressão para construir uma sociedade democrática. “A verdade sobre o passado é fundamental para que os fatos que mancharam nossa história nunca mais voltem a acontecer.”
A presidenta não deu indicações sobre os futuros integrantes da Comissão da Verdade e nem mesmo sobre o perfil que levará em conta na hora da seleção. Pela lei, os sete membros do colegiado não podem ser dirigentes partidários nem ter ligação direta com o tema, o que exclui a possibilidade de participação de militares. Espera-se que os nomes sejam anunciados pelo governo em dezembro, para que os trabalhos, com duração de dois anos, tenham início no primeiro semestre de 2012. De acordo com a lei, o período a ser apurado vai de 1946 a 1988, o intervalo entre duas Constituições democráticas, mas é esperado que o trabalho tenha como foco o regime autoritário (1964-85).
Na cerimônia foi sancionado também o projeto que cria a Lei de Acesso à Informação Pública, que permite que todos os cidadãos solicitem documentos relativos a qualquer órgão público dos três poderes. A solicitação deve ser atendida de imediato ou, quando não houver possibilidade, em no máximo 20 dias.
Dentro de seis meses, todas as entidades públicas terão de colocar à disposição nas respectivas páginas na internet informações completas sobre contratos, licitações, gastos com obras, repasses ou transferências de recursos. Durante a tramitação no Legislativo também houve resistência, em especial no Senado, onde os ex-presidentes da República José Sarney e Fernando Collor de Mello tentaram manter o ponto relativo aos prazos para o sigilo de documentos oficiais.
Pela lei que vigia até hoje, poderia haver renovação eterna desses prazos, sob decisão do presidente da República, de modo a que esses papéis nunca chegassem a conhecimento público. Sarney e Collor argumentavam que poderiam vir à tona questões delicadas para a diplomacia do Brasil, como as relativas à Guerra do Paraguai. Agora, mesmo os documentos classificados como “ultra-secretos” estarão protegidos por 25 anos, prorrogáveis por outros 25.
Dilma, porém, optou por enfatizar o ponto da lei que proíbe que qualquer documento a respeito de direitos humanos seja tornado sigiloso. “O sigilo não oferecerá nunca mais guarida ao desrespeito aos direitos humanos no Brasil”, destacou. Ela considera que a lei é fundamental para que se tenha acesso a documentos que ajudem a esclarecer os episódios ocorridos durante a ditadura.
Durante a cerimônia, Dilma fez agradecimentos aos ministros do governo Lula que construíram o projeto depois encaminhado ao Congresso, com ênfase especial ao caso de Franklin Martins, titular da Secretaria de Comunicação Social durante o segundo mandato. Dilma classificou a data como histórica e apontou que a democracia brasileira obteve uma demonstração de maturidade, com um Estado disposto a ter transparência e a respeitar a verdade. “São momentos especiais que ficarão para sempre marcados na história do Brasil, que colocam nosso país em um patamar superior, de subordinação do Estado aos direitos humanos.”
O povo exige
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, lembrou que a Constituição de 1988 foi uma conquista democrática, mas faltava a regulamentação do ponto que previa o direito dos cidadãos de acessarem as informações públicas. “A tensão entre poder e limite é uma tensão fundamental num Estado de direito. E era necessário que se viesse a disciplinar o direito à informação como um limite republicano que afirmasse que a informação não é poder de quem governa, mas que a informação é algo que pertence ao povo.”
A respeito da Comissão da Verdade, Cardozo ressaltou que, apesar de passado tanto tempo, o conhecimento dos fatos continua válido sob o ponto de vista ético e da necessidade de dar ao trabalho um caráter pedagógico. Sobre as críticas, o ministro ponderou que se trata de uma exigência da sociedade brasileira. “Não é com a supressão da liberdade que se constrói a paz de um povo em seu desenvolvimento.”
Blog do Planalto
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