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Declaração de voto ao tucano provoca perguntas sobre o passado e o futuro do jornal paulistano

No domingo (26), o jornal O Estado de S.Paulo (Estadão) assume em seu editorial que apóia o candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra e assume que a decisão traz consigo uma responsabilidade pesada. Talvez, porém, a tonelagem tenha sido mal calculada.

(Leia a íntegra do editorial do Estadão)

Sob o título de "O mal a evitar", a confirmação preferencial pelo tucano, que de resto já era claramente notada em sua cobertura jornalística, é feita por um texto carregado de ressentimento, provavelmente levado ao máximo pelas pesquisas eleitorais, que demonstram franco favoritismo de Dilma Rousseff, e pelas recentes respostas de Lula à onda de denuncismo que recheou os principais veículos de comunicação do país nas últimas semanas, com o Estadão entre seus representantes mais ferrenhos.

O editorial se vangloria de ter provocado a ira presidencial, classifica Lula de embusteiro e de chefe de facção, entre outras (des)qualificações e mostra que enxerga na iminente eleição de Dilma Rousseff uma clara ameaça às liberdades institucionais – novamente a tática já usada (e derrotada) em 2002, quando o mesmo Serra disputou o Planalto contra Lula.

Pois bem, além de provavelmente não alterar em nada o presente quadro eleitoral presidencial, a opção desperta indagações importantes quanto ao passado e ao futuro do Estadão.

Em relação ao passado, as primeiras questões que se levantam são: o jornal se alinha ao PSDB e a tudo que o partido representa desde quando? Esse alinhamento explicaria por que nestas eleições o Estadão jamais se moveu com a mesma tenacidade dedicada às denúncias que poderiam abalar a candidatura petista para apurar denúncias e suspeitas que envolvessem tucanos e aliados – como a corrupção assumida e declarada no Mato Grosso do Sul entre deputados estaduais, Ministério Público, Judiciário e o governador André Puccinelli, aliado de Serra naquele Estado, só para citar a mais recente delas?

Por essa escolha é que o Estadão insiste na versão de que Dilma Rousseff é uma candidata inventada por Lula, para "segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada", como diz o rancoroso editorial, sem jamais documentar que a candidatura Dilma foi submetida à aprovação de praticamente todos as instâncias de decisão do PT, inclusive em convenções estaduais, com a própria tendo passado por processos internos de votação?

Ou seja, exercendo plenamente os ditames de uma democracia, ao mesmo tempo em que a oposição – com suporte da grande mídia – foi obrigada a esperar pela decisão autoritária e egoísta de José Serra, cuja empáfia quase provoca a ruptura do partido com o grupo liderado por Aécio Neves, o que poderia ter antecipado o já anunciado fim da atual configuração da legenda.

Retomando os questionamentos. Se essa opção já foi decidida há tempos, foi ela também que faz o Estadão ignorar as inúmeras evidências de desvios de conduta e de esquemas de propinas envolvendo as construções do metrô paulistano? As reiteradas denúncias acerca das circuntâncias que levaram a Nossa Caixa a um estado pré-falimentar, a ponto de ter sido assumida pelo federal Banco do Brasil – o que nos remete à ainda pouco esclarecida história da privatização do Banespa e da Cosesp?

Pode-se associar à parceria Estadão/José Serra a ausência de investigação sobre a grande quantidade de requerimentos de CPIs para investigar possíveis irregularidades nas gestões Covas, Alckmin e Serra, em praticamente todas as áreas e secretarias estaduais, e que estão "esquecidas" nas gavetas e arquivos da Assembléia Legislativa Paulista?

Outros questionamentos aplicam-se ao futuro do jornal e à maneira como pretende exercer sua atividade-meio a partir da decisão assumida neste domingo.

Acreditam seus editores que a declaração de sua adesão eleitoral é suficiente para isentar o veículo – e todo o grupo econômico que o jornal integra – de responsabilidade sobre sua produção jornalística daqui em diante?

Ou seus leitores continuarão a receber o panfleto em que o diário centenário foi transformado, sem responsabilidade sobre sua própria credibilidade, ao publicar denúncias fartamente desmentidas e sem fundamento, manchetes puramente sensacionalistas e tantos outros equívocos básicos, inadmissíveis para uma publicação de seu porte e relevância?

Enfim, em que medida o Estadão calcula que a admissão de apoio – com tantos indícios de cumplicidade – pode vir a manchar a credibillidade conquistada até aqui?

Tomando emprestada uma das frases do desde já histórico editorial "não precisaria ser assim". O jornal que muito justamente se orgulha de ter publicado receitas de bolo como forma de denunciar a censura imposta pela ditadura – num período em que se igualou a Dilma Rousseff na luta pelos ideais democráticos – tem tempo de sobra para recapitular e entender que, simplesmente, o país mudou.

E que se há evidências de que o atual governo tem em seus meios nichos de corrupção a serem extirpados da vida pública, é essencial para a democracia que o Estadão diz defender que a vigilância seja exercida de forma leal, correta e, importantíssimo, de forma igualitária sobre todas as instâncias de poder, inclusive as aspirantes.

Não pode mais basear seu noticiário em denúncias sem provas, em acusações que beiram, essas sim, à irresponsabilidade institucional. É o que todos esperam da imprensa, inclusive os milhões que deverão levar Dilma Rousseff a ser a futura presidente do Brasil, à revelia desse setor da imprensa que insiste em representar um pais que ficou para trás.

O Estadão dá claros sinais de que está assustado e desorientado. Depois de tantos tiros no pé, já há sinais de que a arma pode estar sendo apontada para a própria cabeça.

É o caso de dizer aos editores deste que um dia foi ao menos um exemplo de bom jornalismo: "Calma, Estadão, não há o que temer. Você ainda não percebeu, mas está entre verdadeiros amigos".

 

Rede Brasil Atual por Fábio M. Michel

Publicado em 28/09/2010 -

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