Maria do Socorro Sousa Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), acredita que falta clareza por parte dos partidos de direita a respeito de suas reais posições. Na avaliação da professora, embora as eleições tenham mostrado que há segmentos da sociedade dispostos a votar em uma sigla abertamente conservadora, levantar essa bandeira tem um preço: perder os eleitores de outros perfis.
Ela aponta que as manifestações de conservadorismo vistas durante e após a campanha – envolvendo declarações antinordestinos, contra a união civil homoafetiva etc. – decorrem de transformações ligadas à vivência democrática do país, bem como a mudanças sociais, relacionadas à redução da pobreza e à ascensão social.
Após o pleito, o DEM, enfraquecido, adotou novamente a ideia de reorganização, na qual poderia acabar buscando, de maneira aberta, temas sensíveis a segmentos religiosos e moralmente conservadores. Historicamente, o partido empunha de maneira clara as bandeiras econômicas e políticas da direita, mas evita, como política geral, entrar em outras searas conservadoras. Agora, poderá fazer uma opção diferente.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista com a docente da UFSCar.
Rede Brasil Atual – Há espaço na política brasileira para um partido abertamente de direita?
Maria do Socorro Sousa Braga – Esses partidos já existem, o que ocorre é que não se assumem, não têm um programa. Quando se compara com os Estados Unidos, o eleitorado lá tem uma percepção muito clara de quem são os republicanos e quem são os democratas.
No Brasil, os partidos de direita acabam não dando essa face pública desse programa.
O espaço está ocupado. Se a gente olhar no espectro político-ideológico, esses partidos seriam o DEM, o PP e outras siglas menores. Inclusive existe uma alta fragmentação, maior que na esquerda. O que poderia ocorrer é a união de setores desses partidos para a formação de um terceiro. Se a gente olhar como o DEM saiu enfraquecido dessa eleição, a tese é viável, pode ocorrer a médio prazo.
Rede Brasil Atual – O PSDB acabou ocupando esse espaço nas eleições? Se ocupou, permanecerá neste espaço?
Maria do Socorro Sousa Braga – Não foi de agora. O PSDB tem a estratégia de se unir com o DEM desde 1994, então acabou sendo o porta-voz da tendência neoliberal, que vinha crescendo em outros países. É quem acaba comprando essa tese de uma maneira mais forte, uma tese obviamente relacionada aos partidos de direita.
Não diria que houve maior entrada do PSDB na direita. Se a gente pegar a campanha em si, o retrocesso foi geral, um debate relacionado a questões morais e religiosas. Não se pode considerar que o PSDB entrou num espaço mais à direita. Serra foi se modificando, mas era de um setor mais à esquerda do partido.
Rede Brasil Atual – A movimentação na internet sinaliza a DEM e PP que podem adotar esses temas?
Maria do Socorro Sousa Braga – De alguma maneira, vão poder se apropriar. Mas são temas muito difíceis os relacionados a comportamento, moral. Normalmente, são temas em que os partidos não assumem posicionamento muito claro porque sabem que vai acabar diminuindo o apoio eleitoral, porque algum setor acaba se sentindo atingido de acordo com o recorte que se dá a esses temas. Não é à toa que, em relação ao aborto, Marina Silva preferiu não defender nenhuma tese. Normalmente não há discursos muito abertos em relação a estes assuntos. Numa democracia de massas, os partidos preferem ficar omissos.
Rede Brasil Atual – A ofensiva em torno de preconceitos muito antigos por meio das redes sociais contaminará o debate político, em especial no Congresso?
Maria do Socorro Sousa Braga – Hoje, tem bancadas representativas de alguns públicos, mas não de outros. Os evangélicos, a partir da década de 1990, vêm se organizando e crescendo do ponto de vista da representação política. As questões de religião virão mais fortes, principalmente aborto e união entre homossexuais. E estão fazendo de propósito, porque estão vendo que são temas caros a alguns setores da sociedade.
Essa eleição acirrou, trouxe à tona temas que não estavam tão disseminados como acabou ficando nesse período. É verdade que é um período curto ainda, mas dá para perceber que se aflorou bastante, e que a classe política vai acabar voltando à discussão.
Rede Brasil Atual – Como a senhora vê essas manifestações, que têm inclusive acabado em violência?
Maria do Socorro Sousa Braga – Isso é o bárbaro, ocorre em um momento em que várias organizações discutem em outros patamares, inclusive para criar legislação que venha a possibilitar a convivência de diferentes grupos em uma sociedade extremamente democrática.
É terrível porque isso não tem nada a ver com os desdobramentos de uma fase bastante positiva no Brasil, que é de democratização ampliada, não só em relação aos comportamentos, mas à distribuição de renda, ao poder de compra
É uma reação a isso tudo. São setores que estão se sentindo afetados por essa liberalização.
É terrível porque isso não tem nada a ver com os desdobramentos de uma fase bastante positiva no Brasil, que é de democratização ampliada, não só em relação aos comportamentos, mas à distribuição de renda, ao poder de compra. Isso tem gerado diferentes respostas, e essa da agressão é uma que a gente tem de bater forte porque não faz sentido ter uma postura dessas dentro de uma sociedade democrática.
A violência se dá não apenas em torno dos homossexuais, como acabamos de observar, mas também em torno de outros grupos criminalizados. São reações bárbaras que precisam ser coibidas.
Rede Brasil Atual – Por que este incômodo?
Maria do Socorro Sousa Braga – Há alguns setores que podem estar achando que estão sendo penalizados. Ou até agredidos, mas de uma outra forma: quem é religioso e acredita nas doutrinas de uma igreja se sente agredido com uma união homossexual porque é completamente discrepante com relação ao que foi socializado durante a vida toda.
Mas quem está sendo agredido não está sendo respeitado em sua opção individual. É isso que precisa ser respeitado em termos de democracia, o livre-arbítrio. O indivíduo pode até não aceitar, mas o ato agressivo é que não tem porquê.
Por: João Peres, Rede Brasil Atual
Publicado em 24/11/2010 -