“Esse é o dia mais feliz da minha vida”, assim resumiu o senador Paulo Paim (PT-RS), logo após a votação simbólica que aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC 180/08), que institui o regime de cotas nas universidades públicas e instituições técnicas federais de ensino médio.
O senador, gaúcho afrodescendente, tinha todos os motivos para estar feliz. O projeto, que foi abraçado por ele assim que chegou da Câmara dos Deputados, foi postergado um sem número de vezes e tramitou no Congresso por nada menos do que treze anos.
Inúmeras vezes, durante este ano, ele tentou colocar o Projeto de Lei da Câmara (PLC 180-2008) para apreciação do plenário do Senado, mas sem sucesso. Em todas as sessões, a persistente oposição de outros senadores, chefiados por Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), impediu a votação. Mas, nesta terça-feira, o projeto voltou à pauta pelas mãos do líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (PT-BA), com o pedido de que – de uma vez por todas – o Senado definisse o destino do projeto. Senadores de outros partidos, como o presidente da Comissão de Educação, Roberto Requião (PMDB-PR), a relatora da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, Ana Rita (PT-ES), e também dos senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Lídice da Mata (PSB-BA) e Pedro Taques (PDT-MT), atenderam ao chamado de Pinheiro e também passaram a defender que o projeto, enfim, fosse votado.
A esperança de aprovação era grande, pois a criação de quotas sociais e raciais para estudantes técnicos e de nível superior recebera aprovação tanto nas comissões de Constituição e Justiça (CCJ), quanto na de Direitos Humanos – apesar da permanente resistência de Aloysio Nunes.
Quando ficou claro que desta terça-feira não passava, o senador tucano voltou à carga. Na tentativa de derrubar a matéria, primeiro tentou confundir os senadores com relação aos conceitos de corte social e racial, apresentados no texto do PLC 180. Depois, insistiu que o projeto feria a autonomia universitária. Por fim, quando se tornara inevitável a votação, pediu a verificação de quórum. Perdeu em todas, com a interferência de outros senadores que apoiavam o projeto defendido por Paim.
A senadora Ana Rita derrubou uma das teses do senador tucano – a de que o projeto ainda não havia sido suficientemente discutido. “O debate já foi realizado e o projeto está tramitando na Casa há 13 anos. Está claro para a maior parte dos parlamentares, que vamos fazer justiça social com a população brasileira. A parte da população que tem o poder aquisitivo mais baixo será contemplada com o projeto”, disse. Em seguida, o senador Pedro Taques derrubou a tese da quebra da autonomia universitária. “Autonomia não significa soberania. Nós podemos aqui, tratar dos caminhos que devem ser seguidos pelas universidades. A autonomia das universidades não pode ser maior do que o texto constitucional. E nele, se diz que devem ser dadas oportunidades iguais a todos. Enquanto o filho de um trabalhador negro não tiver as mesmas condições de um senador da República, não teremos uma democracia”, resumiu Taques, depois de perguntar sucessivas vezes ao plenário: “quantos negros estão aqui presentes, com exceção dos funcionários que nos servem café?” A senadora Lídice da Mata (PSB-BA) e o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) somaram-se aos que queriam a votação imediata do projeto. “Não pode passar de hoje. Já protelamos demais essa decisão”, disse Lindbergh.
Na expectativa, Paim, quebrou o silêncio e pediu, mais uma vez, urgência para a votação, acrescentando um número impactante: “A Câmara decidiu quase que por unanimidade pela aprovação dessa matéria. Dado do IBGE diz que de cada 10 alunos desse País, um apenas estuda na área privada”, disse, para, em seguida, perguntar: “Não é justo que esse um tenha direito a 50% das vagas e o restante dispute os outros 50% das vagas? A rejeição desse projeto”, arrematou, “representaria que esse Senado não quer que negros e pobres tenham direito ao acesso à universidade”.
Não houve mais oposição para que a votação acontecesse. E as cotas foram finalmente aprovadas.
O que é o projeto: Como as vagas serão distribuídas?
O projeto prevê que 50% das vagas de universidades federais públicas sejam destinadas a alunos egressos de escolas públicas. Destas vagas, 25% serão destinadas a alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita. Para os outros 25%, não há nenhuma delimitação de renda para concorrência das vagas. Para os 50% das vagas dos egressos de escolas públicas, o critério para distribuição de vagas raciais deve seguir a porcentagem de negros, índios e pardos da cidade onde a universidade está localizada.
Além disso, determina que sejam feitas avaliações periódicas a cada dez anos para determinar a eficácia da aplicação da ação afirmativa.
Quais critérios determinam a fixação das cotas?
Para uma instituição que oferece 1000 vagas no período de um ano, por exemplo, 500 vagas serão destinadas a alunos egressos da rede pública de ensino e as outras 500 continuarão sendo de livre provimento. Das vagas destinadas à rede pública, 250 serão destinadas a alunos com renda per capita familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.
As outras 250 vagas restantes não levarão em conta o corte de renda, apenas o local onde o aluno cursou o ensino médio. Ainda nas 500 vagas reservadas para alunos da rede pública, o preenchimento racial deve obedecer à proporção de negros, índios e pardos da cidade onde a universidade está instalada, seguindo os dados do último censo do IBGE.
(Rafael Noronha, site PT no Senado)
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