Por José Álvaro de Lima Cardoso, economista e supervisor técnico do DIEESE-SC.
Os sindicatos sempre estiveram sob fogo cerrado porque são as principais ferramentas de organização e defesa dos trabalhadores. Os sindicatos atuam ao nível da estrutura econômica, portanto, interferem diretamente nos interesses econômicos dos donos do Dinheiro. Sozinho o trabalhador não tem nenhum poder para enfrentar o capital. O único poder social dos trabalhores é o seu número porque ele se encontra em grande quantidade. Mas esse poder numérico só existe se o trabalhador estiver organizado em sindicato.
Os sindicatos aumentaram sua importância porque estamos num momento crucial da história do país. Recentemente o país sofreu um golpe de Estado que fez a fome retornar com força, piorou ainda mais a situação da indústria, o Imperialismo ganhou ainda mais poder, a situação dos trabalhadores entrou numa regressão inédita, o desemprego e a desigualdade explodiram. Entre os golpistas há inúmeras discordâncias: em relação a Bolsonaro, em relação ao enfrentamento da pandemia, etc. Mas eles têm grande unidade em relação ao programa econômico de guerra contra a população, que entrega riquezas ao estrangeiro e destrói direitos trabalhistas e sociais.
O golpe de 2016 levou a um retrocesso político e econômico muito grande. O país está nas mãos de uma direita terraplanista completamente lunática, e sob o jugo dos militares. O fato coloca o risco concreto não só de um golpe militar aberto, num eventual agravamento da situação econômica, mas da instalação de um regime fascista. Para o qual, inclusive, o fato do núcleo de poder federal já ser fascista, contribuiu enormemente. Enquanto somos distraídos pelos crimes menores dos golpistas (rachadinhas e outros), o regime vai se movendo à direita, com perdas de direitos, assassinatos de líderes populares, destruição dos sindicatos, e assim por diante. Ao mesmo tempo, em meio a maior crise sanitária dos últimos 100 anos, avançam as chamadas reformas neoliberais, sobre as quais há total unidade da burguesia. Por exemplo, acabaram de aprovar no Congresso o novo marco regulatório de água e saneamento no Brasil, que abre o setor para as empresas privadas.
A queda da taxa de sindicalização, entre 2012 e 2018, de 16,1% para 12,5% decorre do imenso fogo cruzado sobre os direitos dos trabalhadores e suas organizações. A crise econômica atual, que é a mais brutal da história, fez disparar o desemprego e a precarização do trabalho, dois inimigos ferozes da sindicalização e dos sindicatos. Mas é o conjunto dos ataques para cima dos trabalhadores que explica uma queda tão expressiva da sindicalização. Por exemplo, a partir de 2016 começou a proliferar empregos por contra própria e sem carteira assinada, segmentos que tradicionalmente não se aproximam dos sindicatos. Ademais, explodiu o número de trabalhadores de aplicativos, a maior parte por conta própria, que também não se organizam através de sindicatos.
Existe uma relação direta entre precarização do trabalho e queda da taxa de sindicalização. Quanto mais precário for o mercado de trabalho, mais informal, mais sem regras, menor a possibilidade de o trabalhador se organizar sindicalmente. A barbárie no mercado de trabalho dificulta muito a organização dos trabalhadores em sindicatos. O esforço do governo Bolsonaro para desmontar o mercado de trabalho tem por detrás o cálculo de desmonte também da organização sindical.
Na primeira década dos anos 2000, a geração de empregos e a formalização do mercado de trabalho, aliviaram a tendência estrutural, que vinha desde a década de 1990, de precarização e piora na vida dos trabalhadores. Esta evidente melhora do mercado de trabalho possibilitou também uma elevação da sindicalização. Dentre outras razões, porque os trabalhadores identificavam as melhorias, com o trabalho dos sindicatos. Uma das primeiras medidas dos golpistas de 2016 foi acabar com a política de ganhos reais do salário mínimo, implantada pelo Governo Lula em 2005, através de negociação com as centrais. Segundo o DIEESE, os ganhos reais do salário mínimo melhoravam a cada ano, diretamente, a vida de quase 50 milhões de pessoas que recebem remuneração correspondente ao piso nacional – assalariados, aposentados e pensionistas, trabalhadores por conta própria, domésticos. Se considerarmos que cada família tem em média três membros, a medida impacta direta e indiretamente a vida de quase 150 milhões de brasileiros.
Uma política de ganhos reais do salário mínimo no Brasil é muito importante, na medida em que os salários são muito baixos. Os ganhos reais do salário mínimo, enquanto a política durou (Bolsonaro já acabou com a referida política) provocaram uma repercussão importante sobre os salários. Quando o salário mínimo aumentava conforme o crescimento do PIB, a tendência era empurrar toda a escala salarial para cima, impactando todos os níveis salariais, até mais ou menos, três salários mínimos. Começou a ficar evidente, por exemplo, que os pisos salariais por categoria tinham valor muito baixo.
Foi na esteira desta ascensão do movimento sindical brasileiro, na primeira década dos anos 2000, que o movimento sindical catarinense obteve, possivelmente, a sua conquista histórica mais importante, que foi a obtenção dos pisos salariais estaduais, em 2009 (começou a vigorar em janeiro de 2009). Conquista esta que apenas cinco estados da federação obtiveram, sendo que a de Santa Catarina foi a que mais mobilizou os trabalhadores, porque decorreu de uma campanha popular no estado. Uma vitória daquela envergadura seria praticamente impossível neste momento em que os direitos estão sendo liquidados em escala e velocidades industriais.
As ações de destruição de direitos e da soberania são em grande número, o que dificulta até o acompanhamento. Todo esse processo atrapalha muito a ação sindical. A quantidade de direitos sociais e sindicais, liquidados a partir do golpe de 2016 são, por si só, a demonstração de que a correlação de forças continua muito desfavorável aos trabalhadores. É perfeitamente normal que os representantes do Capital não gostem de sindicatos. Comprovadamente, estes são a melhor arma da esmagadora maioria dos trabalhadores proteger seu emprego e renda.
Mas aos incautos que, apesar de viverem do seu trabalho, alimentam uma cultura antissindical, é fundamental lembrar que os ataques aos sindicatos, representam ataques a todos os trabalhadores. Especialmente os que ganham menos. Estão tentando demolir os sindicatos, pelo simples fato de que um governo de extrema direita, com nuances claramente fascistas, está acabando com empregos, rendimento, e com a soberania do país. Os sindicatos precisam ser esmagados porque representam um obstáculo na transformação do Brasil, definitivamente, numa colônia dos Estados Unidos.
A força de trabalho no Brasil, em 2019, era formada de 106 milhões de pessoas, metade da população. Com base nos dados da PNAD-IBGE, verificamos que mais de 95% da força de trabalho no Brasil é formada de trabalhadores (assalariados, conta própria, etc.). Mesmo entre os quase 5% de empregadores registrados pela PNAD, certamente a esmagadora maioria são micros e pequenos, cuja inserção no mercado de trabalho, muitas vezes, tem características muito próximas aos dos trabalhadores. Além disso o empregador também vive do trabalho. Vive do trabalho dos outros: porque é justamente uma parcela do trabalho não pago ao outro, que possibilita que ele faça reservas. Ao contrário do que alguns possam imaginar o lucro do empregador não é obra do espírito santo, e sim uma parte da riqueza produzida pelo trabalhador. Quando o governo entreguista e antinacional de Bolsonaro procura destruir os sindicatos, sua intenção é esmagar o rendimento de 95% dos brasileiros.