Ilmo(as) Srs(as) Vereadores(as):
Ao analisarem o Projeto de Lei que quer infernizar a vida dos comerciários (e indiretamente, de toda a cidade), permitindo o trabalho aos domingos, solicito a gentileza de pensar brevemente nas seguintes considerações.
A possibilidade de abertura do comércio varejista aos domingos faz parte da “herança maldita” que o Governo FHC deixou aos trabalhadores brasileiros, abrindo a porta para legisladores municipais insensíveis à população aprovarem leis municipais nesse sentido.
O trabalho aos domingos prejudica não somente os comerciários, mas toda a sociedade.
Nossa sociedade está organizada de modo a coincidir o descanso das diversas categorias profissionais, bem como dos estudantes, aos domingos. Há também maiores opções de lazer e entretenimento em tais períodos. O trabalhador que folga em dia útil é obrigado a usufruir de seu descanso sem a companhia dos seus, pois estes possivelmente estarão ocupados em seus afazeres normais.
Ante tais tristes circunstâncias, muitos municípios sensatamente proíbem o funcionamento do mercado varejista aos domingos, de forma a poupar os comerciários dos incômodos supracitados. São as cidades preocupadas com a qualidade de vida de seus moradores e de seus trabalhadores, que já receberam o título de “cidades do bom viver”. Tais cidades demonstram que o respeito ao direito ao descanso dos comerciários e de toda a comunidade não é um entrave ao desenvolvimento, e que pode servir, paradoxalmente, como um meio de estimular a própria economia local, por meio do turismo e do lazer, e de beneficiar a saúde e o bem-estar da população.
Os srs. Vereadores também tem família. Sabem o que significa poder almoçar, ao menos aos domingos, com toda a família reunida. Também gostam de poder desfrutar da companhia dos filhos e de seus amigos, praticando esportes, estando presentes no aniversário de seus familiares. Podem estar presentes na apresentação dos filhos na escolinha, podem encontrar com seus vizinhos na associação de moradores, na igreja ou no sindicato. Podem praticar livremente seu direito a professar sua religião aos domingos. E lembro de algo que não pode ser esquecido: os comerciários também tem família.
E para proteger tal família foi elaborado o art. 6º. Da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948: “Toda pessoa tem direito a constituir família, elemento fundamental da sociedade, e a receber proteção para ela.”
Os comerciários e comerciárias, assim como os vereadores e vereadoras, tem família. Por isso lembro dos arts 1º. e 7º. da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “”Art. 1º Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.””
O TRT de Santa Catarina de modo muito claro demonstrou a importância da luta dos sindicatos contra o trabalho no comércio varejista aos domingos:
“o labor nesses dias, por todas as consequências familiares, legais, sociais, religiosas etc, só pode ser admitido como exceção, nunca como regra. Como não há como os empregados se oporem, individualmente, à exigência do labor dominical, esta é uma hipótese onde a intervenção sindical é desejada e imprescindível, justificando a própria existência dos Sindicatos. (….) Assim, usando a analogia, o mesmo terá que ocorrer com o trabalho aos domingos, porque domingo é nacionalmente conhecido como dia de descanso, com exceção é claro, de algumas profissões que não tem como haver tal descanso e por isso comportam um rodízio grande de empregados, a fim de que um só não fique penalizado.
É muito importante que seja dado o descanso no dia de domingo, frisando a importância crucial de convivência com a família, porque todo o caos social vivido nesses tempos modernos é decorrente da desestruturação das famílias, que não mais convivem, apenas vivem sob o mesmo teto, convertendo-se o lar em mero domicílio, onde as necessidades fisiológicas são atendidas.” (TRT-SC – 101000-32.2009.5.12.0046)
Destaco outro trecho de tal sensível decisão do TRT-SC, que se aplica como uma luva à situação dos trabalhadores de municípios que implementaram o condenável trabalho aos domingos, e também tem muitas semelhanças ao debate que ocorrerá hoje na Câmara dos Vereadores:
“O trabalho em domingo assim, deve ser a exceção, inclusive a exceção que permite o convívio social, mormente em atividades de lazer e não uma generalização indevida.
Não se pode olvidar que, se fosse admitida a compensação genericamente, sem qualquer limite, poderia, teoricamente, uma família nunca se encontrar, pelos horários e dias em que cada um de seus membros trabalha, o que é incompatível até com o respeito que se deve à dignidade humana e aos valores sociais, dentre eles, a importância do núcleo familiar, como célula mater da sociedade.
Não é equânime, não é jurídico, não é aceitável que os trabalhadores tenham suprimido, de forma permanente ou sujeita ao capricho patronal, a convivência que, mormente no caso das crianças em tenra idade, afeta até a formação da personalidade.
Ora, se as lojas (comércio em geral) se restringissem à simples notificação dos domingos que estarão com as portas abertas ao sindicato obreiro, sem a análise criteriosa pelos sindicatos representativos da categoria dos comerciários, uma exigência de cunho material, fundada em princípios e direitos fundamentais, estaria fadada à mera condição formal, frustrando-se a gênese da própria proteção legal, estabelecida em priscas eras. (…) Em verdade, as rés colocam como valores básicos apenas os seus ganhos, recusando-se a discutir coletivamente seja a partilha desses mesmos ganhos, v.g. com o pagamento de horas extras, seja o próprio respeito, ainda que parcial, aos domingos e com ele, o respeito aos trabalhadores, que não são autômatos, mas sujeitos detentores de dignidade humana.”
Lembro também da música Se Assim Quiser, de Arnaldo Antunes, que trata do direito do trabalhador ao lazer e ao descanso:
“acabou a hora do trabalho
começou o tempo do lazer
você vai ganhar o seu salário
pra fazer o que quiser fazer”
E para quem só pensa em dinheiro e em lucro, mesmo às custas de centenas de famílias e de toda a sociedade, cito trecho de outra música de Arnaldo Antunes, Dinheiro:
“Dinheiro é um pedaço de papel
…
Dinheiro não se leva para o céu”.
Finalmente, concluo com a música Domingo, de Maria Bethânia:
“Veja, meu bem
Que hoje é domingo
Domingo eu não choro
Domingo eu não sofro
Domingo eu sou de paz
E alegria
Tristeza, hoje eu não estou
Saudade, volte outro dia
Domingo eu não sou boa Companhia
…
Domingo a minha vida é o circo
Eu sou a trapezista
Alguém avise à dor
Que não insista”
E caso tais argumentos sobre os domingos não tenham sensibilizado os nobres vereadores, lembro de um outro domingo: o das eleições municipais de 2016, mais exatamente em 2 de outubro de 2016. Tenho certeza que os trabalhadores e trabalhadoras lembrarão nas urnas o nome do Vereador que porventura vote a favor de Projeto de Lei tão injusto (o que espero que não ocorra). Para tal vereador, caso isso ocorrer, mando o mesmo cartão de Natal criado por José Simão:
“”Meus votos é que você nunca mais tenha votos””
Por Maximiliano Nagl Garcez, Advogado de sindicatos de comerciários e consultor jurídico da Contracs. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana dos Advogados Laboralistas (ALAL).
”
Autor: *Maximiliano Nagl Garcez