Pela gravidade e intensidade da crise financeira internacional e pela sua capacidade de se espalhar pela economia mundial, não existe país que possa se considerar blindado em relação aos seus efeitos. Mas alguns aspectos da política econômica e comercial do Brasil fornecem ao país certa capacidade de enfrentamento dos efeitos da crise ao nível internacional. Um primeiro aspecto mais importante é a menor dependência das exportações brasileiras para os Estados Unidos que reduziu-se de 24,7% em 2001 para os atuais 15%. Em contrapartida aumentou os volumes para países da periferia capitalista em todo o mundo, o que deve atenuar os efeitos da crise sobre o país. De qualquer forma é importante considerar que o efeito desta redução é pequeno na medida em que, no período, o Brasil elevou as participações da China e do México como destino das exportações brasileiras, países de que dependem significativamente do mercado dos Estados Unidos.
Um segundo aspecto relevante é o nível das reservas cambiais existentes no país, superior a US$ 200 bilhões. Um dos principais canais de transmissão da crise financeira internacional para o a economia do país tem sido a falta de crédito para a exportação. Na medida em que os bancos ficaram sem acesso aos fundos de crédito externo, eles diminuíram o repasse para as empresas exportadoras. Para contornar este problema, dentre outras medidas, o Banco Central tem colocado dinheiro das reservas à disposição dos bancos, para que estes repassem aos exportadores, no máximo em 30 dias. O governo já utilizou uma pequena parte das reservas para garantir a liquidez do mercado de câmbio e tem declarado estar disposto a investir o que for preciso para garantir crédito para as exportações.
Um aspecto fundamental para o enfrentamento da crise, é o atual dinamismo do mercado interno, que tem sido o motor do crescimento da economia brasileira nos últimos trimestres. A economia tem crescido com base na expansão do consumo das famílias e a taxa de crescimento dos investimentos vem expandindo o dobro do consumo. Este processo deve amortecer os impactos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira.
Um fator extremamente positivo é a situação da dívida pública, que vem caindo nos últimos anos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Com a depreciação do real ocorrida a partir de setembro a dívida pública vem caindo, o oposto do que ocorreu em outras crises cambiais. Nas crises anteriores quando a taxa de câmbio se desvalorizava, como a dívida pública era, em boa parte, indexada ao câmbio o Estado ficava insolvente, praticamente quebrando e tendo que recorrer a empréstimos nos mercados internacionais. No mês de setembro, como o país é credor em moeda estrangeira e o dólar se valorizou frente ao real, a relação dívida líquida/PIB recuou para 39% um indicador fundamental para a manutenção da confiança no país.
Ajuda também o nível de depósitos compulsórios, um dos instrumentos que o Banco Central usa para controlar a quantidade de dinheiro que circula na economia. Através do depósito compulsório, o Banco Central obriga os bancos a depositar em uma conta no próprio BC parte dos recursos captados dos seus clientes nos depósitos à vista, a prazo ou poupança. Atualmente os bancos são obrigados por lei a depositar no BC 45% do dinheiro captado nos depósitos à vista, 15% dos depósitos a prazo e 20% da poupança. Há também uma exigência adicional pela qual o banco deve recolher 8% dos recursos à vista e a prazo e 10% da poupança. Pelas regras, quando a soma do valor a ser recolhido pelos bancos nessas três alíquotas fica abaixo dos R$ 100 milhões, no entanto, o banco não recolhe nada. E se ficar acima, o banco ainda pode recolher apenas o que ultrapassar os R$ 100 milhões. Em 24 de setembro, para injetar liquidez na economia, o BC aumentou o limite de dedução para R$ 300 milhões. Ou seja, só será recolhido aquilo que ultrapassar os R$ 300 milhões. Na avaliação do Banco Central somente com essa medida foram injetados mais R$ 5,2 bilhões no sistema financeiro.
Os bons indicadores citados atenuam, mas não blindam, obviamente, a economia brasileira dos reflexos da crise internacional. A inevitável desaceleração do comércio mundial provocará um impacto imediato sobre o valor das exportações, com a redução das quantidades exportadas e a queda dos preços das commodities agrícolas e industriais, o que já vem ocorrendo nos últimos meses. A diminuição dos saldos da balança comercial e, em conseqüência, das transações correntes do balanço de pagamentos, significará uma maior dependência dos fluxos de capitais internacionais, que são necessários para o equilíbrio do balanço de pagamentos.
Com a queda de liquidez presente na economia mundial, onde os capitais buscam refúgio à crise de confiança nos títulos do governo dos Estados Unidos, é esperado que as taxas de juros exigidas pelos capitais de curto prazo daqui para a frente tendam a se elevar, provocando, em cadeia, a elevação das taxas de juros domésticas. É importante considerar que a razão principal da significativa redução da vulnerabilidade externa brasileira nos últimos anos foram os grandes saldos comerciais obtidos pelo Brasil no comércio exterior, que certamente estão fora de cogitação, pelo menos em 2009 e 2010. O mesmo contexto internacional que favoreceu tremendamente a economia brasileira nos últimos anos sofreu uma mudança muito significativa, o que certamente atingirá a economia brasileira.
Autor: José Álvaro de Lima Cardoso – Economista e supervisor técnico do DIEESE em SC