A atividade econômica das economias avançadas está prestes a retroceder novamente. A desaceleração da recuperação americana, juntamente com o impasse político sobre a elevação do teto da dívida federal naquele país, a irresolução dos problemas europeus e a instabilidade política nos países produtores de petróleo geraram grande pessimismo sobre o crescimento mundial. A continuação da “Grande Contração”, como é chamado o atual período de dificuldades econômicas, é uma possibilidade tangível atualmente. Este texto analisa as principais causas da atual conjuntura econômica mundial e seus impactos sobre o Brasil.
Começando pelos Estados Unidos, o colapso da bolha imobiliária em um ambiente institucional caracterizado pela regulação precária fragilizou o sistema financeiro e precipitou uma grande queda na demanda por bens e serviços, cujo impacto ainda não foi superado. O estímulo fiscal por parte do governo federal foi insuficiente para compensar a redução do consumo e de investimentos privados, bem como no gasto público por parte dos governos locais. O estímulo monetário, por sua vez, conseguiu evitar o colapso no sistema bancário e atenuou os problemas patrimoniais em instituições financeiras, mas não destravou o crédito. As famílias norte-americanas continuam altamente endividadas, em um contexto de alta taxa de desemprego e lento crescimento econômico.
Ainda que a crise tenha provocado aumento tanto da dívida quanto do déficit público, esses não foram os causadores das dificuldades atuais dos EUA. Porém, ao elegê-los como os principais objetivos da política econômica, descartando novas rodadas de estímulos, o governo dos EUA limita as perspectivas de recuperação na demanda e no emprego, contribuindo ainda mais para a falta de perspectiva de recuperação da economia. Consumidores endividados e pessimistas, desemprego em alta, firmas com capacidade ociosa e receosas em investir, bancos sem emprestar por falta de demanda, todos esses fatores reunidos criam uma conjuntura altamente desfavorável ao crescimento. Diante do impasse político sobre um novo estímulo fiscal, resta aos EUA o estímulo monetário, isto é, a manutenção de taxas de juro próximas de zero por um longo período, o que por sua vez leva à contínua depreciação do dólar e ao aumento da liquidez mundial. Nesse contexto, o único fator de recuperação possível da demanda é o comércio exterior, cujo estímulo, entretanto, é insuficiente para puxar a economia americana como um todo.
A melhor alternativa para os EUA seria um novo estímulo fiscal, voltado para a recuperação do emprego e dos investimentos em infraestrutura, juntamente com aumento nas transferências de renda aos mais pobres. Do ponto de vista macroeconômico, este estímulo pode ser feito de modo equilibrado, aumentando os impostos sobre os mais ricos e direcionamento o ganho de arrecadação para o investimento público e para programas de transferências de renda. Na ausência dessa iniciativa, os EUA tendem a persistir num lento crescimento, com risco de recessão, caso o pessimismo por parte dos consumidores e das firmas gere uma nova retração no gasto privado.
Passando à Europa, observamos que a crise financeira teve efeitos bastante assimétricos. A partir dela, as condições fiscais de várias economias se deterioraram rapidamente, sobretudo nas áreas “emergentes” da zona do euro. As origens dos problemas europeus são distintas, mas os riscos são compartilhados, com grande possibilidade de contágio entre os países. Por exemplo, no caso da Grécia, uma estrutura fiscal frágil, aliada a um arcabouço produtivo pouco competitivo, levaram a uma explosão do endividamento público. Já no caso da Espanha e de Portugal, a reversão na entrada de capitais, a impossibilidade de ajuste pela via da desvalorização da moeda e a queda abrupta das receitas fiscais levaram os indicadores de endividamento públicos a trajetórias problemáticas. A magnitude dos ajustes fiscais necessários para reduzir a dívida pública leva o mercado a duvidar da solvência de economias importantes como Espanha e Itália. Teme-se o que os economistas chamam de uma “corrida para o fundo”, uma situação na qual o ajuste fiscal derruba o crescimento da economia, que por sua vez reduz a arrecadação do governo, gerando a necessidade de um novo ajuste fiscal e nova desaceleração no crescimento.
Os problemas fiscais de vários países europeus colocaram suas economias na mira de especuladores internacionais, que apostam contra seus títulos públicos. Isso, por sua vez, cria incertezas sobre a solidez do sistema bancário europeu como um todo, bem como sobre a recuperação do crescimento, além de exigir vultosos e reiterados pacotes de resgate. O ajuste fiscal e a opção prioritária pela austeridade, num contexto recessivo, agravam ainda mais a situação fiscal da Europa, podendo ocasionar inclusive uma nova crise bancária mundial. Embora o Banco Central Europeu tenha dado sinais de que não deixará isso acontecer, assim como nos EUA, persiste o risco de recessão devido a expectativas auto-realizáveis.
A saída para a crise europeia requer uma ação coordenada de refinanciamento das dívidas dos países em dificuldade em condições mais favoráveis que as de mercado, juntamente com uma aceleração do crescimento puxado principalmente pelas economias mais ricas, sobretudo a Alemanha. Mas o temor da inflação e, principalmente, a aversão em resgatar economias estrangeiras em dificuldade impedem uma solução coordenada, gerando um impasse político no qual todas as economias tentam fazer um ajuste fiscal ao mesmo tempo para ganhar competitividade sobre seus vizinhos.
Tanto os EUA quanto a União Europeia têm os instrumentos necessários para resolver ou abrandar suas próprias crises. O problema é mais político do que econômico: os mecanismos de decisão política são incapazes de produzir um consenso sobre os instrumentos para estimular o crescimento econômico.
A desaceleração global dá sinais de que vai perdurar enquanto o impasse na política econômica nos países avançados permanecer. O principal canal de transmissão para o Brasil é via preços dos ativos, sobretudo das commodities. Felizmente, estamos menos dependentes do crescimento nos EUA e na Europa, mas isso não nos deixa imunes à conjuntura adversa. Uma nova recessão nos países avançados pode gerar uma queda nos preços das commodities e uma depreciação do real, com impactos negativos sobre o Brasil no curto prazo. Porém, como aconteceu nos anos 2008 e 2009, o governo brasileiro tem instrumentos para lidar com os efeitos de uma deterioração internacional.
No campo monetário, há espaço para redução na taxa básica de juros e nos depósitos compulsórios, se e quando for necessário. No campo fiscal, o governo brasileiro já retornou ao nível de resultado primário pré-crise de 2008 e, portanto, dispõe de instrumentos para estimular o crescimento via desoneração tributária e aumento nos investimentos públicos. O Brasil possui, ainda, um elevado estoque de reservas internacionais que atenua os impactos de choques externos sobre nossa situação fiscal e financeira.
Mais importante, em contraste com a situação atual nos EUA e na Europa, o Brasil tem um modelo de desenvolvimento que gera frentes de expansão internas e amplia as oportunidades de investimento e de emprego. Um modelo que proporciona um crescimento equilibrado dos salários e da produtividade, com redução na pobreza e melhora na distribuição de renda. Além disso, o Brasil tem uma política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura econômica e social, bem como em educação. Essa estratégia de desenvolvimento inclusivo é nosso maior diferencial em relação ao resto do mundo e nos permite avançar mesmo em momentos de crise internacional.
TEORIAeDEBATE por Nelson Barbosa – professor-adjunto no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e secretário-executivo do Ministério da Fazenda
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