O início do período de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão esta semana representa para muitos candidatos a prefeito, em todo o Brasil, a esperança de alcançar um maior número de eleitores na reta final de uma campanha municipal, marcada mais do que nunca pela disparidade de orçamentos e recursos. Ao mesmo tempo em que o financiamento público de campanha é discutido pelo Congresso Nacional como parte essencial de uma efetiva reforma política, uma análise sobre as prestações de conta até aqui realizadas em algumas das principais cidades brasileiras confirma uma luta desigual onde a influência das máquinas administrativas e o peso dos maiores partidos favorece consideravelmente determinados candidatos.
A desigualdade na obtenção de recursos para a campanha eleitoral seria corrigida se o país adotasse o sistema de financiamento público aos candidatos. Relator do projeto de reforma política na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT-RS) defende a tese: “A proposta de reforma política que eu apresentei à Câmara prevê a distribuição mais igualitária dos recursos porque garante que 25% do total de recursos disponíveis no financiamento público exclusivo sejam distribuídos igualitariamente e os outros 75% de acordo com a votação para deputado federal ou deputado estadual, conforme a eleição que está em disputa”.
A mudança, segundo o deputado, corrigiria um vício no sistema eleitoral brasileiro. “O financiamento público exclusivo gera, em qualquer comparação que se faça com eleições retroativas, uma igualdade bem maior entre os candidatos. A tendência do atual sistema de financiamento privado – e ela já foi vivenciada inúmeras vezes – é que os financiadores, que têm interesse em estabelecer relações na maior parte das vezes privilegiadas com os futuros gestores públicos, concentrem as suas doações naqueles que têm chance de ganhar”, diz. “Então, candidatos que arrancam mal nas pesquisas, mesmo que tenham excelentes ideias e que possam fazer ótimos governos, têm uma chance reduzidíssima de disputar a eleição. Com o financiamento público exclusivo de campanha, isso não ocorreria mais.”
Curiosamente, o prazo para a entrega da primeira planilha de gastos dos candidatos a prefeito e vereador à Justiça Eleitoral expirou em 2 de agosto, mesmo dia em que teve início no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do processo do mensalão, tão emblemático no que diz respeito à relação entre partidos, financiadores e gastos de campanha. Como de praxe, os partidos e candidatos ainda não revelaram oficialmente a íntegra de seus doadores, mas a maior afluência de recursos para prefeitos no exercício do mandato ou para legendas consideradas favoritas sugerem indícios da velha prática do empresariado brasileiro de somente financiar nomes que possam lhes garantir retorno financeiro depois de eleitos.
Maior colégio eleitoral do país, São Paulo tem nos candidatos José Serra (PSDB) e Fernando Haddad (PT) as campanhas mais vultosas. O tucano, que é apoiado pelo PSD do prefeito Gilberto Kassab, declarou já ter arrecadado R$ 1.540.732,56, montante integralmente contabilizado no item Recursos de Outros Candidatos ou Comitês. O mesmo valor é registrado pelo candidato do PSDB no item Baixa de Recursos em Dinheiro. Serra, no entanto, ainda não registrou oficialmente nenhuma doação de pessoa física ou jurídica à sua campanha.
Haddad registrou R$ 950 mil como Recursos de Pessoa Jurídica e R$ 475 mil como Recursos de Partido Político (que diz respeito ao próprio partido do candidato), além de R$ 44.351,64 no item Recursos de Outros Candidatos ou Comitês, mesmo valor registrado como Baixa de Recursos em Dinheiro. O candidato petista declarou R$ 10.718.331,03 no item Despesa Contratada e R$ 381.645,00 no item Despesa Efetivamente Paga. O rival José Serra, por sua vez, ainda não declarou valores referentes às despesas, o que poderá fazer, de acordo com a lei, na segunda parcial da prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Em um segundo patamar orçamentário na disputa paulistana estão os candidatos Gabriel Chalita (PMDB) e Celso Russomano (PRB). O peemedebista declarou R$ 400 mil como Recursos de Partido Político e R$ 197 mil nos itens relativos às despesas Contratadas e Efetivamente Pagas. Russomano registrou R$ 192.310,00 como Recursos de Outros Candidatos ou Comitês, R$ 46,3 mil como Recursos de Pessoa Física e curiosos R$ 727,73 no item Recursos de Partido Político. O candidato do PRB, o único que já se declara no vermelho, estimou ainda uma Baixa de Recursos em Dinheiro no valor de R$ 239.337,73 e uma Despesa Contratada de R$ 75.591,70.
Prefeitos turbinados
Nas metrópoles onde os prefeitos são candidatos à reeleição, a diferença é flagrante. No Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB) registrou R$ 2 milhões como Recursos de Partido Político, R$ 350 mil como Recursos de Pessoa Jurídica e R$ 534.925,50 como Recursos de Outros Candidatos ou Comitês, valor equivalente à Baixa de Recursos em Dinheiro. A campanha do atual prefeito do Rio registrou ainda R$ 1.378.596,62 como Despesa Contratada e R$ 728.206,62 como Despesa Efetivamente Paga.
O adversário que mais se aproxima de Paes é Rodrigo Maia (DEM). Apoiado pelo pai, o ex-prefeito Cesar Maia, e pelo PR do ex-governador Anthony Garotinho, o candidato demista registrou R$ 768.168,29 como Despesa Contratada e R$ 60.120,50 como Despesa Efetivamente Paga. Em termos de arrecadação até aqui, no entanto, Rodrigo registrou apenas R$ 50 mil como Recursos de Pessoa Jurídica e R$ 30 mil como Recursos de Partido Político, estando aquém do desempenho histórico de seu partido no Rio.
Marcelo Freixo (PSOL) declarou já ter arrecadado R$ 84.550,00 como Recursos de Pessoa Física e R$ 18.379,69 como Recursos de Partido Político, valor equivalente à Baixa de Recursos em Dinheiro. Tanto a Despesa Contratada quanto a Despesa Efetivamente Paga pelo candidato do PSOL foram registradas com o valor de R$ 95.771,75. Já Otávio Leite (PSDB), único a registrar o item Recursos Próprios (R$ 20 mil), afirmou ter arrecadado ainda R$ 25 mil como Recursos de Pessoa Física e R$ 52,5 mil como Recursos de Pessoa Jurídica. A Baixa de Recursos em Dinheiro do tucano é de apenas R$ 5 mil e despesa até aqui, tanto a contratada como a efetivamente paga, é de R$ 79.878,36.
Outro exemplo da diferença de tratamento, nesse atual sistema de financiamento de campanha, que a influência das grandes legendas ou de quem já está no poder pode causar é Belo Horizonte, onde o prefeito Márcio Lacerda, candidato à reeleição pelo PSB, registrou nos itens Despesa Contratada e Despesa Efetivamente Paga o montante de R$ 744.821,97. Como arrecadação, Lacerda, que tem o apoio do governador Antonio Anastasia (PSDB), registrou R$ 300 mil como Recursos de Pessoa Jurídica e R$ 700 mil como Recursos de Outros Candidatos ou Comitês.
Na capital mineira, outro candidato peso-pesado é Patrus Ananias (PT), que registra R$ 897,5 mil como Recursos de Partido Político, item que demonstra toda a importância dada pelo PT à disputa com o senador tucano Aécio Neves, que também apóia Lacerda. No entanto, nos itens Despesa Contratada e Despesa Efetivamente Paga, o petista, que já foi prefeito de Belo Horizonte entre 1993 e 1996 e deixou o cargo com 85% de aprovação, registrou somente R$ 75.893,18 até aqui.
Polarização
Entre as principais capitais, a campanha mais franciscana até aqui se dá em Porto Alegre, onde o candidato José Fortunati (PDT), atual prefeito, registrou a arrecadação de apenas R$ 69.127,00 no item Recursos de Outros Candidatos ou Comitês. A Baixa de Recursos em Dinheiro do pedetista é estimada em R$ 69.127,00, e a Despesa Contratada até aqui atinge R$ 64.397,00.
Na capital gaúcha, quem lidera a arrecadação, segundo as informações oficialmente transmitidas à Justiça Eleitoral, é Manuela D’Ávila (PCdoB), que registrou R$ 450 mil no item Recursos de Partido Político, demonstração da aposta que fazem os comunistas na possibilidade de conquistar a prefeitura de Porto Alegre. Para efeito de comparação, o candidato do PT, Adão Villaverde, registrou como Recursos de Partido Político apenas R$ 95 mil, valor próximo ao estimado para os itens Despesa Contratada e Despesa Efetivamente Paga (R$ 94.964,18).
Em outra campanha polarizada, Recife mostra um pouco mais equilíbrio na distribuição de recursos entre os candidatos. Apoiado pelo governador Eduardo Campos, o candidato do PSB, Geraldo Júlio, é o que está mais à vontade e registrou R$ 1.036.000,00 como Recursos de Partido Político e R$ 550 mil como Recursos de Pessoa Jurídica. A Baixa de Recursos em Dinheiro do atual prefeito é ainda modesta (R$ 15 mil), e as despesas Contratada e Efetivamente Paga foram registradas em R$ 695.082,92.
O candidato do PT, Humberto Costa, registrou R$ 100 mil como Recursos de Pessoa Física e R$ 500 mil como Recursos de Pessoa Jurídica. As despesas Contratada e Efetivamente Paga pelo PT, partido que comanda a prefeitura há doze anos, foram registradas em R$ 510 mil. Já Mendonça Filho (DEM) registrou R$ 600 mil como Recursos de Partido Político, R$ 559.298,50 como Despesa Contratada e R$ 423.218,50 como Despesa Efetivamente Paga. Daniel Coelho (PSDB) foi o que mais colocou dinheiro no item Recursos Próprios (R$ 100 mil), além de R$ 135 mil como Recursos de Pessoa Jurídica e R$ 100 mil como Recursos de Partido Político. Nos itens Despesa Contratada e Despesa Efetivamente Paga, o candidato tucano registrou R$ 204.681,78.
Para o secretário-geral do PT, Eloi Pietá, o setor empresarial brasileiro poderia se mostrar mais engajado na luta pelo financiamento público de campanha: “O financiamento privado tem sido um problema até mesmo para o próprio setor empresarial. A empresa que contribui para uma campanha eleitoral termina se vinculando especificamente a alguns candidatos ou partidos e pode ter problemas no futuro, na medida em que, se participar de uma licitação ou concorrência pública, vai terminar sempre ficando aquela dúvida: será que ganhou porque contribuiu para a campanha?”.
O dirigente petista identifica outro setor que precisa ser “convencido” sobre os benefícios da mudança no sistema: “A grande mídia brasileira é contra o financiamento público exclusivo e defende a manutenção do financiamento privado. Em primeiro lugar, porque a grande mídia é grande empresa e quer que o setor empresarial privado continue controlando o setor público. Em segundo lugar, porque a grande mídia vive também, digamos, desta imagem de que todo o mundo político é corrupto. Para eles é interessante manter, de uma certa maneira, a má fama da política para ter a boa fama deles na sociedade”, diz.
Procurado para comentar o assunto, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que participa da coordenação de campanha do candidato de seu partido à prefeitura de São Paulo, José Serra, não concedeu entrevista até o momento de publicação desta reportagem.
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