Por Francisco Alano (presidente da FECESC) e Maurício Mulinari (economista e assessor sindical)
A disputa em torno do orçamento público tem se tornado cada vez mais um espaço que privilegia as mentiras e conchavos da elite econômica e política brasileira. A recente discussão em torno do Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2025 é um exemplo vivo disso. Mais uma vez, a elite econômica e política brasileira mostra sua verdadeira cara: arrocho contra o povo trabalhador e bilhões de reais para os já bilionários membros da burguesia.
O fato ocorre porque a proposta do governo na PLOA, que prevê um pequeno déficit primário de até 0,25% do PIB, tem causado escândalo entre os representantes do mercado financeiro e da grande mídia. Não satisfeitos com as amarras impostas pelo “Novo Arcabouço Fiscal”, os rentistas alardeiam que a meta é irrealista e o resultado será pior do que o projetado pelo governo.
Em editorial recente, a Folha de São Paulo deixou nítida a sua posição, que faz eco à dos grandes bancos, sobre como contornar o problema: “Não haverá saída sem um programa amplo de controle de despesas. […] Despesas com Previdência e outros benefícios sobem com reajustes do salário-mínimo acima da inflação. Aportes em saúde e educação são percentuais da receita, em desalinho à dinâmica que se busca com o ajuste orçamentário. Rever tais regras será inescapável num futuro próximo, tendo em vista o esgotamento do espaço para ainda mais impostos”. O Ministério da Fazenda, embora aposte mais no aumento das receitas, não deixou de acenar positivamente a essa visão, sinalizando que fará um “pente-fino na Previdência e no BPC [Benefício de Prestação Continuada]”.
Seriam esses mesmo os grandes problemas do orçamento púbico? O aumento do BPC é visto como problema, mas nada se diz sobre as polpudas renúncias fiscais que comem as receitas da seguridade social. Há mais de uma década um conjunto de grandes empresas do agronegócio e de indústrias obsoletas praticamente não contribuem com o INSS. De acordo com dados do Tesouro Nacional, a política de desoneração da folha de pagamento já resultou em uma renúncia de cerca de R$ 8 bilhões somente neste ano, quase o dobro do mesmo período de 2023.
Além disso, a culpabilização do aumento do salário-mínimo desconsidera os efeitos positivos da distribuição de renda em favor das camadas mais pobres. O aumento do salário-mínimo eleva a renda das famílias, com efeitos favoráveis sobre o consumo e a produção. Esse crescimento tende a gerar uma arrecadação de impostos mais do que suficiente para cobrir as transferências sociais para os mais pobres.
Diferente é o caso de outras despesas que tem ganhado espaço no orçamento, como os gastos com militares e com o legislativo. O Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê um forte acréscimo no pagamento de emendas parlamentares impositivas em 2024, totalizando cerca de R$ 40 bilhões. O orçamento da “defesa nacional” já totaliza quase R$ 100 bilhões, com alta prevista de mais de 20% em relação a 2023. Naturalmente, essas cifras não geram escândalo no “mercado”.
A discussão em torno do superávit primário oculta que esse indicador considera apenas a diferença entre a arrecadação e as despesas do governo que não dizem respeito ao pagamento de juros e encargos da dívida pública.
A dívida pública cresce por si própria, mesmo quando há superávit primário, por conta dos juros astronômicos pagos aos rentistas brasileiros. O Brasil, apesar de apresentar crescimento econômico acima da média mundial, gerar crescentes saldos comerciais e ter governos que pagam fielmente sua dívida há décadas, possui hoje a segunda maior taxa de juros real do mundo, atrás apenas da economia de guerra da Rússia. A taxa básica de juros, a Selic, encontra-se em 10,5% ao ano, o que, descontada a inflação, dá um retorno limpo de 6,8% ao ano para quem não produz absolutamente nada.
Os dados do Portal da Transparência da União revelam o peso disso no orçamento público. No acumulado do ano até o início de setembro, já pagamos R$ 634 bilhões somente em juros da dívida doméstica. Esse montante – que não considera sequer o pagamento do principal da dívida, restringindo-se apenas às remunerações dos “investidores” –, representou 18% de todas as despesas realizadas pelo governo federal no período. Para se ter uma noção, as despesas totais com saúde totalizaram cerca de R$ 130 milhões, menos de 4% do orçamento, enquanto a educação superior representou apenas 0,7% do gasto total.
A opção por restringir a discussão do orçamento ao problema do déficit primário é, portanto, muito conveniente aos interesses da elite, particularmente dos poucos bancos que detêm a maior parte da dívida pública brasileira. Para eles, o que importa é que a dívida seja paga a contento. E se os gastos sociais aumentarem, que sejam desculpa para aumentar os juros!