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Por Francisco Alano (presidente da FECESC) e Maurício Mulinari (assessor sindical)

As recentes eleições parlamentares europeias trouxeram à tona mudanças no panorama político do continente, com destaque para a vitória de uma coalização de esquerda na França, comandada pelo partido França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon. Entretanto, ao mesmo tempo que ocorre uma vitória da esquerda na França, também crescem posições de uma direita nacionalista, tal qual o governo de Georgia Meloni na Itália e Viktor Orbán na Hungria. Sinais tão contraditórios refletem a continuidade dos desdobramentos da crise capitalista em curso desde 2008, que tem levado a um profundo descrédito de governos associados aos programas baseados na austeridade. O tradicional “centro político” europeu – que envolve tanto a centro-direita quanto a centro-esquerda – encontra-se em grande descrédito, sendo a derrota do partido de Emmanuel Macron na eleição parlamentar francesa o mais novo capítulo de tal situação.
A Europa hoje é o continente mais profundamente afetado pela crise capitalista mundial que vigora desde o colapso financeiro de 2008. Esta crise, marcada por estagnação econômica, desemprego elevado e crescente desigualdade social, é resultado das contradições inerentes ao sistema capitalista. No contexto europeu, a crise social foi exacerbada por políticas de austeridade, que impuseram cortes profundos nos gastos públicos e enfraqueceram os sistemas de bem-estar social. Mais recentemente, também a Guerra da Ucrânia, produto do conflito entre a OTAN – comandada pelos Estados Unidos – e a Rússia, tem trazido impactos significativos no aumento da inflação no continente, algo que não ocorria desde a década de 60 do século passado.
Os programas de austeridade e as novas leis que levaram à derrocada de direitos trabalhistas e sociais foram aplicados ostensivamente desde 2008. Promovidos e apoiados pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) como soluções para reduzir déficits e dívidas públicas dos países – que lançaram planos de trilhões de Euros para salvar o sistema financeiro – esses programas tiveram consequências devastadoras para a população de todos os países europeus. A austeridade levou ao aumento do desemprego, redução de salários e pensões, e cortes em serviços públicos essenciais como saúde e educação. Além disso, aprofundou a desigualdade e a pobreza em muitos países, o que é agravado pelo crescimento da inflação.
A falha das políticas de austeridade em proporcionar uma recuperação econômica sustentável resultou no crescente descrédito dos governos que as implementaram. Muitos eleitores passaram a ver esses governos como cúmplices do sistema capitalista em crise, que privilegia os interesses do capital financeiro em detrimento das necessidades da população trabalhadora.
A vitória da esquerda na França nas recentes eleições parlamentares é um reflexo direto desse cenário de crise e descontentamento. Partidos de esquerda, como a França Insubmissa liderada por Jean-Luc Mélenchon, conseguiram canalizar a frustração popular com a austeridade e o neoliberalismo, apresentando-se como alternativas viáveis que defendem políticas de justiça social, redistribuição de renda e fortalecimento dos direitos trabalhistas.
A ascensão da esquerda pode ser vista como parte de um movimento mais amplo de resistência ao neoliberalismo na Europa. Em países como Grécia, Espanha e Portugal, partidos e movimentos de esquerda também ganharam força nos últimos anos, ainda que sem romper, de fato, com as políticas de austeridade.
Paralelamente ao crescimento da esquerda, a direita nacionalista também tem ganhado terreno, utilizando a crise do capitalismo neoliberal como trampolim para sua ascensão. Movimentos e partidos de direita nacionalista têm capitalizado o descontentamento popular, oferecendo respostas simplistas e muitas vezes xenófobas aos complexos problemas econômicos e sociais enfrentados pela região.
Na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) emergiu como uma força significativa. Fundado inicialmente como um partido de oposição à União Europeia, a AfD gradualmente adotou uma plataforma nacionalista e anti-imigração. A crise dos refugiados em 2015 e a contínua austeridade econômica forneceram um terreno fértil para a AfD, que conseguiu captar o descontentamento popular e transformar-se na principal voz da oposição à política neoliberal do governo de Angela Merkel.
Na Itália, a Liga Norte, liderada por Matteo Salvini, e o partido Irmãos da Itália, de Giorgia Meloni, ganharam considerável apoio. Salvini, com sua retórica anti-imigração e contra a União Europeia, conseguiu consolidar uma base de eleitores descontentes com a estagnação econômica e as políticas de austeridade. Os Irmãos da Itália, com um discurso nacionalista e conservador, também têm se fortalecido, refletindo a crescente insatisfação com o status quo neoliberal.
Na Hungria, o partido Fidesz, liderado por Viktor Orbán, exemplifica o sucesso da direita nacionalista em explorar a crise do capitalismo neoliberal. Orbán adotou uma postura fortemente anti-imigração e nacionalista, ao mesmo tempo em que criticou as instituições europeias e as políticas de austeridade. Sua liderança autocrática e sua habilidade em mobilizar o descontentamento popular contra o neoliberalismo consolidaram sua posição no poder.
No entanto, a ascensão da direita nacionalista e também de alternativas mais radicais de esquerda demonstra que a oposição na Europa não se dá simplesmente entre direita e esquerda, mas entre austeridade neoliberal e a crítica a essa austeridade, manifestada de diferentes maneiras por ambos os espectros políticos. Tanto a esquerda de caráter mais radical e popular quanto a direita nacionalista estão canalizando o descontentamento popular, embora proponham soluções diferentes para a crise atual.
A vitória da esquerda na França é um sinal de que a crítica ao neoliberalismo e às políticas de austeridade não é um monopólio da direita nacionalista, reacionária e xenofóbica. Uma mudança significativa está em curso, impulsionada por uma década de luta contra a austeridade e pelo desejo de construir uma sociedade mais justa e igualitária. Esta luta que cria novos valores políticos tem forte apego na população europeia, especialmente entre os trabalhadores mais pobres, os descendentes de imigrantes e a juventude. O futuro da Europa, assim como do restante do mundo, dependerá da capacidade das forças progressistas de se mobilizarem e articularem alternativas concretas que respondam positivamente às necessidades da população e enfrentem as contradições do capitalismo neoliberal.

Publicado em 26/07/2024 - Tags: , , ,

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