15/07/2014
Por Oswaldo Miqueluzzi. Vivemos em uma sociedade fragmentada, “carente de pontos de referência” e sem “bandeiras coletivas que lhe deem uniformidade de ação e de pensamento (os velhos valores da pátria, do sindicalismo, da religião, da família, da comunidade etc. estão se esgarçando), salvo o consumismo (que não é agregador, nem universal, ou seja, é elitista)”. O que prevalece é o individualismo, o anonimato, o debilitamento das relações familiares e matrimoniais, o consumismo, o isolamento social e local, uma grande mobilidade geográfica etc. Há “um cenário negativamente globalizado, de crenças enfraquecidas, de posições líquidas e de um intenso desamparo econômico-social, em que paira uma profusão de medos”. Sentindo-se impotente e desnorteada, a sociedade encontra “uma voz uniformizadora, que se exprime por meio da espetacularização da política e da justiça (oficial ou midiática), conferindo à multidão uma identidade, um consenso”. Após “criado o clima de insatisfação, de intranquilidade e de incerteza”, o governo e o legislador afirmam não restar outro recurso “senão editar novas leis penais, com rigor sempre incrementado”. No Brasil e, praticamente, em todo o mundo ocidental, especialmente nas três últimas décadas, adotaram-se “punições duras (‘polícia de mão dura’), leis penais mais severas e desproporcionais, criação artificial de novos crimes, endurecimento injusto da execução penal, massacre de presos, incluindo-se os provisórios, corte dos direitos e garantias fundamentais, exigência de castigo sem demora (e sem garantias), sanções midiáticas, estigmatização e segregação dos estereotipados e dos parecidos, humilhação pública de suspeitos ou acusados, vingança, intensificação da dor, lógica do direito penal do inimigo etc.”, como solução para conter e combater a violência e a criminalidade. O poder punitivo “foi transformado numa espécie de religião, visceralmente fanática, orientada pelo e para o castigo vingativo (“diminuição da maioridade penal, penas exageradíssimas (40 anos ou mais), criminalização da posse de drogas para uso pessoal etc.”). A primitiva exacerbação punitiva passou a ser a solução para uma sociedade desesperada e impotente, que não sabe o que fazer para combater a gravíssima crise de insegurança. Com o populismo penal, a insegurança pública tornou-se uma mercadoria de troca “entre a população (que vota) e o político (que depende do voto para sua eleição”, provocando “uma das maiores metamorfoses na política criminal”. O próprio Estado adota o discurso populista e incorpora algumas de suas práticas (novas leis penais, mais policiais, mais prisões etc.), tendo em vista que “não está em condições de atender às necessidades básicas de grande parcela da população”, nem de satisfazer “as reivindicações populares ou institucionais”, a ponto de já se falar “em governança por meio da gestão da criminalidade”. O populismo penal tem na “politização (partidária, governamental) da política criminal (e, por conseguinte, da punitividade)” uma de suas marcas registradas, visando a maximizar o...