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A crise atual está inserida no processo de um esgotamento de um modelo que dominou o pensamento econômico durante 20 anos. Portanto o enfrentamento da crise deve passar por medidas urgentes, mas também pela reflexão acerca de um projeto de futuro para o país. Vale observar que este projeto não é neutro, mas envolve acirradas disputas de interesse dos diferentes atores sociais. Apesar de a crise ter origem no mercado financeiro internacional, a sua manifestação concreta é bastante particular em cada país. Não existe, portanto, receita geral que possa ser aplicada em todos os países.

No Brasil os efeitos da crise requerem políticas públicas específicas. É fundamental, por exemplo, acelerar a redução da taxa de juros. A queda em um ponto percentual é importante, mas muito tímida. Não há qualquer razão econômica que justifique o Brasil ter a maior taxa de juros reais do mundo, cerca de 7%. Em meados de dezembro o Federal Reserve (FED) dos EUA já havia diminuído a taxa de juros de seus títulos para o intervalo entre 0% e 0,25%, o que resulta em um valor de juros reais negativos, de cerca de -3%. Não há risco de inflação alta porque nós estamos em um quadro de forte recessão na economia global, que esfria a demanda ao nível mundial e faz cair o preço das commodities, afastando a possibilidade de um aumento generalizado de preços.

Mas a redução dos juros, isoladamente, não resolve o problema da desaceleração da economia no Brasil porque os seus efeitos demoram seis ou sete meses para aparecer. Como o mais fundamental é não interromper o incipiente processo de crescimento que o país vem atravessando, a ação anti-cíclica do Estado deve ser vigorosa e contemplar um amplo leque de medidas como: aumento do salário mínimo, ampliação do bolsa família (em número de famílias beneficiadas e em valor), aceleração e ampliação dos programas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), redução do superávit primário e utilização do Fundo Soberano.

Tudo isto deve ter um foco principal, a manutenção do processo de crescimento do emprego, que tem sido fundamental para o país nos últimos anos. O nome do jogo é fortalecer o mercado interno brasileiro. As taxas de crescimento dos últimos trimestres anteriores ao último trimestre do ano acompanharam a elevação da demanda interna, em especial aceleração dos níveis de investimentos, que chegaram próximo a 20% do PIB.

Ou seja, é o consumo das famílias e das empresas que atuam no país que vêm puxando o crescimento da economia. Apesar da clara desaceleração da produção e da consolidação de processos recessivos nos países desenvolvidos, há grande incerteza sobre o alcance de seus

efeitos nos países emergentes e, particularmente, no Brasil. Em meio a indicadores complexos, frequentemente contraditórios, aumentam os riscos para os tomadores de decisões nos setores público e privado. Os dados disponíveis apontam uma evidente desaceleração da economia, mas não são capazes ainda de apontar com precisão os efeitos da crise no Brasil. Assim, é preciso primeiro perceber se os números do último trimestre de 2008 representam um “susto”, que vão apenas fazer alguns setores reavaliarem suas trajetórias e perspectivas de crescimento, ou se vão configurar efetivamente uma tendência de marcha a ré. Para fazer essa avaliação ainda

precisaremos de algum tempo, agravado pelo fato de que os meses do primeiro trimestre do ano não refletem o comportamento típico do ponto de vista do funcionamento da economia (férias, feriados/Carnaval, demanda acentuada para atividades ligadas ao turismo em várias regiões, etc.).

É fundamental lembrar que muitos países emergentes vêm sendo castigados pela crise, especialmente nos mercados financeiros, não em decorrência de seus fundamentos econômicos, e sim pelo pânico irracional, do capital que corre para a segurança dos títulos do tesouro norte-americano (o que é um paradoxo, já que os EUA são o epicentro da crise). Na hora do pânico a blindagem dos fundamentos dos países foi literalmente para o espaço. A lógica dominante, especialmente até novembro, foi a do desespero.

Assim, definir ações para frente, a partir do desempenho da economia em dezembro ou neste início de ano, é de um total açodamento. Qualquer projeção de cenário macroeconômico muito “definitiva” agora, com os dados disponíveis, pode não passar de um simples “chute”, sem maior consistência analítica, em função das muitas incertezas. O desfecho da crise não está dado. Depende das ações que forem tomadas pelos atores sociais, especialmente pelo governo.

Autor: José Álvaro de Lima Cardoso – Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina

Publicado em 22/01/2009 -

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