A televisão no Brasil é tratada como empreendimento comercial desde as suas origens, quando herdou do rádio artistas e patrocinadores. Durante muito tempo os anúncios estavam no próprio nome dos programas: Repórter Esso, Gincana Kibon, Circo Bombril. Até hoje muita gente acredita que as emissoras de TV são propriedades particulares das famílias Marinho e Saad ou de empresários como Silvio Santos ou Edir Macedo. Poucos sabem que eles são apenas concessionários de canais públicos, cujo controle deveria estar nas mãos da sociedade.
Para piorar as coisas, não tivemos aqui o contraponto da TV pública, como ocorre na Europa. As emissoras não comerciais só começaram a surgir no Brasil ao final dos anos 1960, quando o predomínio das comerciais já era total, impedindo a construção de uma alternativa capaz de se confrontar, em igualdade de condições, com o modelo dominante.
O presidente Getúlio Vargas até que tentou em seu segundo governo criar a TV Nacional, outorgando um canal para a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O suicídio interrompeu o plano, retomado mais tarde por Juscelino Kubitschek – impossibilitado, no entanto, de levá-lo à frente diante das ameaças de derrubá-lo feitas por Assis Chateaubriand, dono dos Diários e Emissoras Associados. O canal 4 do Rio, que era para ser da Nacional, acabou ficando com a Globo. Terminou também aí o sonho de uma televisão pública nacional, capaz de cobrir todo o país, como já fazia com competência a Rádio Nacional.
Em seu lugar surgiram as TVs educativas, voltadas para suprir deficiências do ensino formal, a maioria dotada de poucos recursos e instrumentadas pelos governos. Programações mal definidas, tecnicamente pobres e na maioria das vezes enfadonhas caracterizavam quase todas as TVs públicas, contrastando com a luminosidade cada vez mais grandiosa das comerciais.
Quando, por alguma circunstância especial, uma TV pública conseguia romper essas amarras os resultados eram surpreendentes. Foi o caso da TV Cultura de São Paulo, no início dos anos 1990. Sua grade de programação infantil era de tão alta qualidade que incomodou as concorrentes. Mas durou pouco. A instabilidade administrativa, determinada por ingerências políticas, interrompeu aquele bom momento.
Mais uma vez o telespectador ficou sem alternativa. Não foi a primeira nem a última crise. Vivemos agora a mais recente, com a privatização de parte de sua programação ocupada inicialmente pelo jornal Folha de S.Paulo e as demissões em massa. Se os espaços para um modelo de TV não comercial já eram estreitos desde seu surgimento, agora diminuíram. A TV Cultura, ao invés de ampliar os olhares jornalísticos com programas próprios, apresentando ao telespectador perspectivas independentes do mercado, reduz o número de visões oferecidas ao público.
Não se trata de um fato isolado. Faz parte de uma ação adotada em todo o Brasil pelos governos do PSDB, calcada na política do “Estado mínimo”, em que rádio e televisão pública não têm vez. Um processo que, além de privar o telespectador de programas novos e criativos, é acompanhado da demissão de centenas de trabalhadores competentes, formados na emissora e voltados para a radiodifusão pública, algo pouco ensinado nas escolas.
São profissionais capazes de perceber a diferença entre seu trabalho, baseado na cidadania, e aquele restrito ao mercado. Na medida que estão livres de imposições comerciais, tendem a ser mais ousados e criativos. Para formá-los são necessários anos, talvez décadas. Nada disso é levado em consideração pelos atuais gestores da TV Cultura e cada demissão, além da tragédia pessoal de quem a sofre, transforma-se numa tragédia social, uma vez que os recursos usados na formação de cada um são jogados fora e o público fica privado do trabalho inovador que poderiam oferecer.
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