Não demorou muito para os urubus acordarem depois do flanco aberto pelo Programa de Proteção ao Emprego (PPE), do governo federal. O PPE, ao permitir a redução de jornada de trabalho com redução de salários, desenhado para atender basicamente setores industriais, abre um perigoso precedente na atual disputa política que vigora no Brasil. Não por acaso, entidades patronais do setor de comércio, oportunistas, se mobilizam em torno de medidas semelhantes para o próprio setor.
Reportagem da Folha de S. Paulo do dia 27/07 informa que 15 entidades patronais de varejo e serviços, como a SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo), a Facesp (Federação das Associações Comerciais de SP) e a Fecomércio SP, querem discutir com o governo a criação de jornada de trabalho móvel para o setor. “A ideia é criar uma cota ‘flex’, em que os horários de trabalho atenderiam à flutuação de clientes”, diz a reportagem. Com a cota, trabalhadores cumpririam carga horária segundo demanda do estabelecimento. Seriam jornadas de poucas horas semanais, ou até mesmo diárias, legalizando a prática do “bico”, típica do mercado informal, rebaixando salários e prejudicando os rendimentos dos comissionistas.
Repetem a ladainha: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é muito rígida e o setor vive os efeitos da crise econômica. Mas quando analisamos a situação do varejo, os dados nem de longe apontam crise. O comércio cresceu a taxas de mais de 10% ao ano nos últimos 12 anos, segundo dados do IBGE; muito acima do restante da economia nacional, gerando superlucros por longo período. O setor nunca expandiu tanto suas unidades. Um exemplo catarinense: a rede Havan abriu 85 lojas em todo país, em 10 anos. Certamente não foram dificuldades financeiras que levaram a isso.
Se em 2015 as vendas crescem menos, a origem deste cenário não são dificuldades econômicas ou rigidez das leis trabalhistas. O que está no centro são as práticas financeiras das redes de varejo, que apresentam taxas de juros abusivas, estrangulando a capacidade de consumo e lucrando por via financeira. Os juros do comércio, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (ANEFAC), passaram da média de 66,69% a.a. em janeiro de 2014 para 84,36% a.a. em junho de 2015. Cresceram espantosos 26,5% em um ano e meio, sem elevação da inadimplência, como demonstram dados do Banco Central. A estratégia é jogar contra o crescimento do consumo para obter lucros financeiros.
Agora, seguindo a onda equivocada do PPE, estas empresas têm a desfaçatez de levar ao governo uma proposta de “jornada flex” contra a crise que eles mesmos criam. Querem abrir caminho para uma ampla reforma trabalhista, retirando direito dos trabalhadores e ampliando lucros com a redução dos salários. Com o aprofundamento do cenário de crise, em parte midiático e em parte real, o volume de iniciativas deste tipo por parte da burguesia brasileira só tende a aumentar. A temporada de voo dos urubus está aberta. Os trabalhadores que fiquem alertas, organizados e firmes na luta.
Francisco Alano
Presidente da FECESC – Federação dos Trabalhadores no Comércio no Estado de Santa Catarina
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