Sob a alegação de que o jornalismo é uma atividade diferenciada e vinculada à liberdade de expressão e informação, garantida pela Carta Magna do país, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou por oito votos a um a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão.
A decisão de acabar com a obrigatoriedade – estabelecida por um decreto-lei de 1969 – teve como um de seus principais argumentos a tese de que ela foi instituída para controlar a imprensa e excluir da mídia os intelectuais e articulistas. A premissa é errada: é evidente que a lei de exigência do diploma não impedia ninguém de escrever nos jornais, publicar, ou de ser comentarista político, econômico, esportivo, do que quisesse.
Mas o fim da obrigatoriedade e esse principal argumento invocado para a deliberação foram suficientes para a mídia comemorar festivamente e à exaustão. Os jornais hoje superdimensionam a importância do assunto, dão páginas e páginas e o Jornal da Globo na noite de ontem, fato raro em sua história, concedeu um segmento inteiro ao fato.
A euforia do patronato – Nele era visível a euforia dos representantes, entre outros, da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) já que o patronato da mídia sempre foi contra a exigência do diploma e contra ele promoveu inúmeras campanhas nos 40 anos de vigência da lei.
A comemoração pelo patronato é um indício de que veem no fim da exigência do diploma a fragilização da regulamentação da profissão, como o respeito ao piso salarial da categoria, à jornada de trabalho e às demais condições trabalhistas de exercício profissional. Trata-se de um falso condicionamento.
Na maioria dos países que não exigem diploma de curso superior específico de Jornalismo para o exercício da profissão, há farta regulamentação da profissão, não só do ponto de vista das condições de trabalho e remuneração, mas da independência do trabalho intelectual como o direito de consciência.
A mídia precisa se democratizar – Comemorar o fim da obrigatoriedade do diploma (nota acima), principalmente com esse enfoque de que sua extinção restabelece a liberdade de expressão e informação, é uma falsa questão. O importante a ressaltar (e peço a reflexão de todos neste sentido), e essa é a questão de fundo desse assunto, é que esse debate é muito mais amplo.
Mas tenho de registrar que a decisão do STF democratiza o acesso à profissão, especialmente num mundo onde, com a internet, mais e mais pessoas estão se transformando em autores de seus próprios blogs e noticiários. Também garante a existência da imprensa comunitária que, em algumas cidades do país, vinha sendo cerceada pelo corporativismo das entidades de defesa dos jornalistas.
Democratização e regulação já! – No entanto, não podemos desconsiderar que a obrigatoriedade do diploma não tem e nunca teve nada a ver com maior ou menor liberdade de imprensa. Esta está assegurada claramente em nossa Constituição. A questão tem relação é com a democratização e a regulação da mídia brasileira.
Temos que aproveitar este momento para debater e aprovar no Congresso Nacional uma nova Lei de Imprensa. Uma lei democrática que estabeleça os contornos de atuação dos grupos de comunicação pois trata-se de uma atividade econômica que como as demais que atuam em áreas sensíveis, precisa de regulação e controle social, que proteja o cidadão garantindo o direito de resposta e a reparação de ataques improcedentes pela mídia, que zele pela liberdade de opinião e pela sua pluralidade, e que estabeleça mecanismo de efetiva democratização da comunicação social no país.
Autor: José Dirceu, advogado, ex-ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República e ex-presidente do PT