Nos países anglo-saxões são chamados “revolving doors”. São as portas giratórias que os administradores dos grandes bancos e grupos econômicos atravessam para ocupar postos-chave da economia nos governos de seu país. É assim na Europa, onde na direção do Banco Central Europeu (BCE) e nos governos da Itália e da Grécia se encontram homens da Comissão Trilateral e da Goldman Sachs (Draghi, Monti, Papademos), enquanto na Espanha a chefia da economia está nas mãos de um homem da Lehman Brothers (Luis de Guindos). São raposas tomando conta do galinheiro, os “magos das finanças criativas”, quase todos com sérias responsabilidades anteriores em mascarar as contas da economia com uma maquiagem que só piorou a crise atual. Defini-los como “governos técnicos” é um eufemismo cínico para os tecnocratas nacionais que agem movidos pelo interesse dos conquistadores financeiros contra a própria população – e cujo objetivo é socializar as perdas e privatizar os lucros. Dessa forma, na União Europeia (UE) o poder político foi transferido, pouco a pouco, para uma oligarquia financeira que, sem rodeios, tomou o lugar dos governos eleitos, suspendendo processos legislativos normais. As decisões políticas foram impostas pelos organismos financeiros supragovernamentais, daquele 1% da população que está se apropriando deslavada e rapidamente do patrimônio e do poder.
Repete-se, assim, o mecanismo pelo qual a América Latina passou, com “lágrimas e sangue”, até os anos 1980, graças às receitas envenenadas de “austeridade” impostas pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O resultado foi o crescimento da dívida com os bancos estrangeiros e com as oligarquias nacionais.
O mais triste é que foram os governos das ex-sociais-democracias europeias e da “terceira via” que, em anos passados, começaram o “trabalho sujo”: as empresas públicas foram em grande parte privatizadas (e a força de trabalho dessindicalizada); os salários e os níveis de vida rebaixados; os serviços sociais, os planos de aposentadoria e a assistência à saúde drasticamente redimensionados.
Os vícios de fundo da União Europeia
O atual processo mostra com nitidez “os vícios de fundo” do nascimento da UE: uma união monetária com um pesado “déficit democrático”, sem política econômica, muito menos política fiscal comum (nem mesmo na zona do euro). As restrições de Maastricht (que impunham limites baixos de déficit) produziram, por exemplo, um aumento da carga fiscal, em particular sobre os trabalhadores empregados, e uma redução dos benefícios sociais dos Estados, enfraquecendo a demanda interna. O mecanismo técnico que tornou isso possível chama-se “vínculo de decisões por unanimidade”, que possibilitou, entre outras coisas, uniformizar as políticas sociais e do trabalho. Padrões de proteção, níveis salariais, salários mínimos são estabelecidos em nível nacional, e não na UE.
Nenhum Estado membro pode taxar a importação de produtos de outros países da UE, mas permite, inversamente, que as próprias empresas reduzam a proteção aos trabalhadores para abaixar os custos. E cada uma pode melhorar a própria competitividade criando ou transferindo filiais operacionais para outros países com melhores condições fiscais, como fizeram praticamente todas as grandes companhias. Desse modo, os custos sociais da competitividade são pagos pelos trabalhadores: com menores salários, menos direitos, benefícios e serviços e mais taxas.
No final de 2011, com critérios ainda mais rígidos, a UE joga “lenha na fogueira”. Sob pressões da Alemanha e da “troika” (BCE, FMI, Comissão Europeia), decide-se dar atenção não somente ao déficit, mas à dívida pública, com a introdução na Constituição de diversos países da “paridade orçamentária”. E o novo pacto para a mudança dos tratados prevê um procedimento de retorno das dívidas que excedam 60% do Produto Interno Bruto (PIB), ao atingir 5% (de excedente) ao ano. Para a Itália, cuja dívida pública alcançou 120% por conta da crise, é uma carga absolutamente insustentável.
A Itália com Berlusconi
E é assim que, em uma Itália já empobrecida, o moribundo governo Berlusconi aprovou, a partir do verão de 2011, operações no montante de cerca de € 120 bilhões até 2014. Desde a introdução do euro, a diferença entre os salários mais altos e os mais baixos aumentou e as remunerações dos trabalhadores perderam terreno na comparação internacional. Segundo dados de 2010 da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Itália se encontra no 22º lugar entre seus 34 integrantes na classificação dos salários líquidos: cerca de € 19.350, mil euros a menos que a média da OCDE e quase € 4 mil a menos que a média da UE entre quinze países membros. Para o Banco Central italiano (em seu recente relatório anual), de 1996 até hoje as remunerações brutas permaneceram inalteradas. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (Istat) que se referem ao terceiro trimestre de 2011 indicam que as remunerações brutas aumentaram 1,4% em um ano, enquanto a inflação oficial chegou aos 3,3% em novembro. E, segundo estudos das associações dos consumidores (Coordenação das Associações para a Defesa do Ambiente e dos Direitos dos Usuários e dos Consumidores), nos últimos dez anos o poder aquisitivo da mesma classe média sofreu uma queda brutal: 39,7%.
No plano sindical, o governo Berlusconi conseguiu dividir as diversas organizações dos trabalhadores, enfraquecendo-as com a “pulverização” das relações sindicais. Os ataques aos direitos sindicais foram duríssimos. Simbolicamente, iniciou-se na Fiat (86 mil trabalhadores), na qual foram cancelados tanto os contratos nacionais como os direitos conquistados no século passado. Com o apoio escandaloso da maioria do Partido Democrático, começou no sul da Itália, na fábrica de Pomigliano (Nápoles), seguida pela histórica Mirafiori (Turim), para depois ampliar a manobra antissindical por todo o grupo Fiat. Assim, rapidamente, procura-se eliminar o direito a um contrato nacional de categoria também em outros setores industriais. A Constituição é expulsa da fábrica com a expropriação do direito de eleger os representantes sindicais pelo voto de todos os trabalhadores. Os sindicatos minoritários e “pelegos” assinam contratos em separado com os patrões, que não dependem do voto dos trabalhadores interessados, mas são válidos para todos. E os sindicatos que não os aceitam não são reconhecidos pelos patrões. Como é o caso da Federação Italiana dos Operários Metalúrgicos (Fiom) – braço da Confederação Geral Italiana do Trabalho (CGIL) –, que é, há muito, o sindicato mais forte da categoria, com 363 mil filiados. Para o Istat, no final de novembro de 2011 a parcela dos trabalhadores à espera de renovação contratual era de 31,4% do total da economia (10,7% no setor privado). O tempo para a renovação dos contratos expirados é, em média, de dois anos (23,9 meses no total e 26,6 meses no setor privado).
O governo Monti: da frigideira ao fogo
Após a queda do governo Berlusconi, agitado pelos escândalos, pela política econômica e pelas pressões europeias, a Refundação Comunista e a Federação de Esquerda exigiam eleições antecipadas o mais rápido possível. Mas, em um clima convulsivo, de enormes pressões e de “unidade nacional” para “salvar o país”, nasce o chamado “governo técnico” do professor Mario Monti, fortemente desejado pelo presidente da República, Giorgio Napolitano. Nasce com o voto favorável de todas as forças presentes no Parlamento, de centro-esquerda e de centro-direita: da ex-oposição do Partido Democrático (que havia crescido nas pesquisas) e do Povo da Liberdade de Berlusconi, que, ao contrário, havia perdido apoio e estava em queda livre. A esquerda não está presente no Parlamento graças à última lei eleitoral aprovada de modo “bipartidário”.
É assim que, depois da “fotocópia”, entra em jogo “o original”. Sem debate parlamentar e com a espada de Dâmocles da síndrome Tina (there is no alternative) do discurso thatcheriano, Monti põe imediatamente em votação sua operação “salva-Itália” de € 34 bilhões, aprovada com os votos contrários da Liga Norte, que procura recuperar sua virgindade política após anos de governo com Berlusconi, e da Itália dos Valores, uma formação política heterogênea e contraditória de centro-esquerda.
Enquanto a UE mantém a obsessão ideológica da paridade orçamentária, na Itália são feitos os ensaios para a tragédia grega: tenta-se resolver a crise enfrentando-a pelo lado do déficit público e com a destruição do que resta do Estado do Bem-Estar Social. Na realidade, para deter a alta das taxas de juros e os ataques especulativos contra os títulos da dívida pública, é preciso que haja na UE uma política de intervenção comandada pelo BCE no mercado de títulos, como “credor de última instância”, para abaixar e estabilizar as taxas de juros sobre a dívida soberana e reduzir o pagamento dos juros dos orçamentos públicos.
Na Itália, Monti fala de crescimento e austeridade, mas são termos inconciliáveis. A origem da crise italiana não se encontra no excessivo endividamento público e a austeridade determina a recessão e o desemprego e aumenta a insolvência de famílias e empresas. Entre as medidas previstas na operação econômica se encontram o retardamento da idade para a aposentadoria para mais seis anos, a suspensão da indexação dos benefícios, a interrupção dos contratos e das admissões no setor público, a introdução de novas taxas e o aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de 19% para 21% (provavelmente para 23% em 2012), e, dulcis in fundo1, o aumento das despesas para a guerra e os armamentos.
Ao contrário, seria necessário reduzir a carga fiscal dos rendimentos do trabalho assalariado e aumentar a dos grandes patrimônios; redistribuir a renda do trabalho para ampliar a demanda agregada e sustentar o mercado interno; levar adiante uma batalha profunda contra a corrupção e a vergonhosa evasão fiscal; destinar investimentos a um novo modelo de desenvolvimento que respeite os direitos de quem trabalha e do meio ambiente; promover um modelo de especialização produtiva relacionada à pesquisa, às novas tecnologias, à criação de empresas de tamanho médio e grande em setores estratégicos da economia. Em sentido inverso, a receita de Monti com incentivos e benefícios fiscais às empresas não sustenta a atividade produtiva e o emprego e não resolve os problemas de fundo das empresas em crise, porque não há mercado para seus produtos.
É uma operação perversa no plano social, recessiva no plano econômico e de toda inútil contra a desenfreada especulação financeira. Cresce assim o spread (a diferença entre os títulos da dívida pública italiana e alemã) e usa-se a especulação para acabar com as conquistas dos trabalhadores. A próxima etapa será aquela de liberalização e privatização, fazendo com que os especuladores comprem “a prataria da casa a preço de banana”. Não poderia haver pior resultado.
Enquanto o governo Monti estuda a aprovação de leis que restringem o direito de greve, já ocorreram diversas mobilizações sociais contra sua política econômica, como uma greve geral do funcionalismo público, uma greve dos metalúrgicos, paralisações espontâneas em muitas fábricas e postos de trabalho, mobilizações dos estudantes. Para 11 de fevereiro, o mais importante sindicato metalúrgico (Fiom) convocou uma grande manifestação nacional. A perspectiva é de um conflito social cada vez mais difícil, com uma esquerda muito fraca, fragmentada e fora do Parlamento. Uma batalha política para criar uma oposição de esquerda forte e unitária é o único modo de defender os interesses dos trabalhadores, dos temporários, dos desempregados, e também os interesses nacionais, contra o atual direcionamento antidemocrático das políticas europeias.
Marco Consolo é dirigente do Partido da Refundação Comunista da Itália, Departamento Internacional (PRC-IE)
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