Por Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap.
Pressão sobre o Congresso Nacional terão sido tão imprescindíveis para evitar retrocessos nas conquistas sociais e na proteção do interesse nacional
Poucas vezes o acompanhamento, a fiscalização e a pressão sobre o Congresso Nacional terão sido tão imprescindíveis para evitar retrocessos nas conquistas sociais e na proteção do interesse nacional como neste período do governo interino de Michel Temer.
Nem mesmo na Assembleia Nacional Constituinte, quando se enfrentou o “Centrão”; na revisão constitucional, quando se resistiu ao desmonte da Constituição por quórum de maioria absoluta; e nos governos FHC, quando houve a entrega de parcela importante do patrimônio nacional ao setor privado e a supressão de mais de cinquenta direitos, a ofensiva foi tão ampla e intensa quanto a atual.
Parece até que as duas Casas do Congresso foram eleitas com perfis e agendas distintas, mas complementares, no sentido de uma assumir a agenda conservadora e a outra a agenda liberal.
A Câmara dos Deputados, com mais da metade de sua composição organizada em torno de bancadas informais – como a evangélica, a da bala ou da segurança, a da bola e do boi (agronegócio) –, forma uma espécie de “Centrão” que prioriza práticas tradicionais e conservadoras, sobretudo em relação aos aspectos morais e sociais, à defesa da família e à intolerância quanto a ideias mais liberalizantes sobre direitos civis e humanos.
A título de ilustração, pode-se lembrar que a Câmara dos Deputados tem pautado uma série de medidas que reforçam esse perfil conservador, como, por exemplo, os pedidos de CPIs e investigações sobre a UNE e os movimentos sociais, bem como o patrocínio de várias proposições que promovem retrocessos em direitos sociais e atentam contra direitos das chamadas “minorias”, especialmente assalariados, mulheres, jovens, indígenas etc.
Em relação aos projetos, basta lembrar o da terceirização, que ataca direitos dos trabalhadores não terceirizados; o do estatuto da família, que nega direitos à formação de famílias que não sejam constituídas exclusivamente por um homem e uma mulher; o que regulamenta a PEC do trabalho escravo, modificando o conceito de trabalho degradante; o que trata do Estatuto do Nascituro; a PEC de redução da idade penal; a PEC de demarcação das terras indígenas; a PEC que reduz de 16 para 14 anos a idade para ingresso no mercado de trabalho; e a PEC que autoriza as igrejas a ingressarem com ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, dentre outros.
O Senado, por sua vez, apresenta um perfil mais liberal do ponto de vista econômico, que tem priorizado uma agenda de mudanças de marcos regulatórios em favor da iniciativa privada. Sua composição, formada majoritariamente de empresários, tem se dedicado à chamada modernização do ambiente de negócios, com ênfase na redução da presença do Estado na economia.
Nesse diapasão, o Senado tem priorizado projetos que tratam da abertura da economia, como o que retira da Petrobras a condição de operadora única e a desobriga de participar com pelo menos 30% nas descobertas do pré-sal; o que trata da governança das empresas estatais, retirando delas a possibilidade de contribuir com políticas sociais; o do estatuto jurídico dos fundos de pensão, restringindo a participação dos participantes em seus conselhos e direção; e a PEC que derruba o licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura, dentre outras de viés liberal.
As recentes votações no Congresso têm sido em direção ao pretendido pelo governo provisório, tendo por base a agenda “Uma Ponte para o Futuro”, cujo conteúdo vai de encontro aos desejos e aspirações da esquerda e dos movimentos sociais, que defendem avanços políticos, econômicos e sociais e exigem um Estado forte, capaz não apenas de regular, mas também de competir em setores estratégicos – petróleo, energia, sistema financeiro etc. – com o setor privado, inclusive como forma de evitar monopólios e cartéis contra o interesse nacional.